terça-feira, 8 de dezembro de 2015

CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999.

CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999.
«Certamente existe nessa imagem algo de verdadeiro, mas existe também um lugar comum que não resistiu à revisão historiográfica, ativada já a partir do romantismo. A Idade Média não é absolutamente a época do meio entre dois momentos altos de desenvolvimento da civilização: o mundo antigo e o mundo moderno. Foi sobretudo a época da formação da Europa cristã e da gestação dos pré-requisitos do homem moderno (formação da consciência individual; do empenho produtivo; da identidade supranacional, etc.), como também um modelo de sociedade orgânica, marcada por forte espírito comunitário e uma etapa da evolução de alguns saberes especializados como a matemática ou a lógica, assim como uma fase histórica que se coagulou em torno dos valores e dos princípios da religião» (CAMBI, 1999, p. 141-142).
«Assim, a Idade Média tornou-se uma época de claro-escuros, uma época de complexa transformação, uma época de importância crucial, mas dotada também de uma exemplar coesão ideal, que a marca de maneira bastante nítida e também positiva, enquanto a anima de espírito comunitário popular, articulado em torno dos princípios de um cristianismo vivido e difuso» (CAMBI, 1999, p.143).
«O cuidado educativo que a Idade Média dedica ao imaginário nos indica não só a alta taxa de ideologia que atravessa aquela sociedade (feudal e depois mercantil), agregando ao aspecto religioso uma visão de mundo que sutilmente se difunde, modelando expressões e comportamentos, temores e esperanças, convicções e ações, como também o caráter autoritário, dogmático, conformista dessa ação educativa, da qual são depositárias as classes cultas e dotadas de poder — os oratores, os eclesiásticos in primis —, que agem por meio de muitos instrumentos (da palavra à imagem, ao rito, etc.), de modo "microfísico" (ou "micropsíquico"), construindo um tecido uniforme e profundo (que age nas profundezas do indivíduo) na vida social, um tecido persistente e que nem mesmo as aventuras do Moderno conseguirão transformar completamente e muito menos remover. A visão religiosa-cristã do mundo, edificada na Idade Média, permanece também como um fator central no politeísmo ideológico do Moderno, no qual desempenha — especialmente no nível popular — um papel de consciência arquetípica da coletividade» (CAMBI, 1999, p. 148-149).
«Toda a educação — e a pedagogia — da Alta Idade Média caracteriza-se como estática e uniforme ao redor do princípio da fé cristã e da Igreja como depositárias do modelo paidéia cristianizada e da função de magistério, que ela exerce por muitas vias numa sociedade de cultura predominantemente oral e visual, mas vias eficazes que agem nas profundezas do indivíduo, moldando seu imaginário» (CAMBI, 1999, p. 150).
«Uma sociedade rigidamente hierárquica separa e contrapõe — hierarquizando-os — também os modelos educativos e culturais. Na Baixa Idade Média, porém, opera-se uma primeira revolução social — o nascimento da burguesia —, que implica uma revolução cultural e outra econômica como efeito e como causa» (CAMBI, 1999, p. 151).
«A longa época da Idade Média — que se desenvolve entre 476, ano do fim do Império Romano do Ocidente, e 1492, ano da descoberta da América, ou entre duas outras datas simbólicas muito próximas dessas — caracteriza-se por uma nova organização da sociedade, que se estrutura em torno do feudo» (CAMBI, 1999, p. 155).
«A paidéia cristã deve tornar-se a "imitação de cristo" e afirma como centrais os valores que, depois, no século XV, Tomas de Kempis invocará como próprios do cristão: o "desprezo do mundo", a humildade, a solidão e o silêncio, o amor de Deus e a consciência do pecado. Estamos diante de um modelo de formação que desenvolve os aspectos de interioridade e de sublimação, que invoca uma atitude de fuga da realidade» (CAMBI, 1999, p. 163).
A exemplo do mundo antigo já teorizado, em A República, por Platão, «A educação do povo se cumpria, essencialmente, pelo trabalho. Era o aprendizado, na oficina ou nos campos, que, desde a idade infantil, dava uma formação técnico-profissional e ético-civil aos filhos do povo. [...] A educação que se realizava no local de trabalho era uma educação da reprodução, das capacidades técnicas, das classes e das relações sociais, sem valorizar realmente a inovação. Ao lado do tempo de trabalho, também para o povo, havia um tempo de não-trabalho (os domingos e as festas religiosas) administrado diretamente pela Igreja através dos ritos e das festas que incidiam profundamente sobre o imaginário mediante todo um sistema de signos e de símbolos que enredavam a experiência do sujeito, valorizando figuras, estilos de vida, comportamentos, mas também suscitando temores, expectativas, exaltações» (CAMBI, 1999, p. 166).
«a visão da Idade Média, tão voltada para o extraterrestre e a sublimação do humano» (CAMBI, 1999, p. 167).
«Nessa escolas alcoranistas, ensina-se a recitar de cor o texto do, de modo a poder usá-lo como guia em qualquer ocasião, em qualquer experiência de vida. Essa orientação fortemente religiosa da educação islâmica permaneceu sempre central, também para os filósofos Algazel, morto em 1111, segundo o qual a educação deve ser guiada pelo sufi, o mestre de vida; esse incita a confiar em Deus a a valorizar atitudes de renúncia e de amor» (CAMBI, 1999, p. 169).
«A imagem da infância da Idade Média é a cristã: a meio caminho entre "pecado" (idade pecaminosa, amoral, segundo Santo Agostinho) e "inocência" (idade de graça, privilegiada e exemplar, como dizem os Evangelhos); as condições de vida da infância são sempre duríssimas, marcadas pela escassez de bens, por violências e marginalização. [...] Ao lado da criança, outra figura marginal é a da mulher: subalterna ao homem, até mesmo na criação (já que deve ser menos alimentada), alheia à educação; ao mesmo tempo marginalizada e exaltada, como ocorre na ideologia cristã, colocada entre Eva e Maria. Só que a Idade Média retoma sob dois aspectos uma valorização da mulher: com as santas de um lado; com o "amor cortês", de outro» (CAMBI, 1999, p. 177).
«O povo, durante a Idade Média — e durante muito tempo também na Idade Moderna — é analfabeto. Seus conhecimentos estão ligados a crenças e tradições ou observações de senso comum: o seu horizonte cultural é muito limitado, mas bem firma na centralidade atribuída à fé cristã e à sua visão de mundo» (CAMBI, 1999, p. 178).
«Na elaboração dos escolásticos, o tema da formação/educação vem ligado à relação entre razão/fé, indivíduo/liberdade e entre desenvolvimento e ordem, mantendo assim a reflexão pedagógica em estreito contato com a metafísica que é, então, a regina scientiarum e o verdadeiro centro teórico do saber» (CAMBI, 1999, p. 190).
«Certamente existe nessa imagem algo de verdadeiro, mas existe também um lugar comum que não resistiu à revisão historiográfica, ativada já a partir do romantismo. A Idade Média não é absolutamente a época do meio entre dois momentos altos de desenvolvimento da civilização: o mundo antigo e o mundo moderno. Foi sobretudo a época da formação da Europa cristã e da gestação dos pré-requisitos do homem moderno (formação da consciência individual; do empenho produtivo; da identidade supranacional, etc.), como também um modelo de sociedade orgânica, marcada por forte espírito comunitário e uma etapa da evolução de alguns saberes especializados como a matemática ou a lógica, assim como uma fase histórica que se coagulou em torno dos valores e dos princípios da religião» (CAMBI, 1999, p. 141-142).
«Assim, a Idade Média tornou-se uma época de claro-escuros, uma época de complexa transformação, uma época de importância crucial, mas dotada também de uma exemplar coesão ideal, que a marca de maneira bastante nítida e também positiva, enquanto a anima de espírito comunitário popular, articulado em torno dos princípios de um cristianismo vivido e difuso» (CAMBI, 1999, p.143).
«Uma sociedade rigidamente hierárquica separa e contrapõe — hierarquizando-os — também os modelos educativos e culturais. Na Baixa Idade Média, porém, opera-se uma primeira revolução social — o nascimento da burguesia —, que implica uma revolução cultural e outra econômica como efeito e como causa» (CAMBI, 1999, p. 151).
«O cuidado educativo que a Idade Média dedica ao imaginário nos indica não só a alta taxa de ideologia que atravessa aquela sociedade (feudal e depois mercantil), agregando ao aspecto religioso uma visão de mundo que sutilmente se difunde, modelando expressões e comportamentos, temores e esperanças, convicções e ações, como também o caráter autoritário, dogmático, conformista dessa ação educativa, da qual são depositárias as classes cultas e dotadas de poder — os oratores, os eclesiásticos in primis —, que agem por meio de muitos instrumentos (da palavra à imagem, ao rito, etc.), de modo "microfísico" (ou "micropsíquico"), construindo um tecido uniforme e profundo (que age nas profundezas do indivíduo) na vida social, um tecido persistente e que nem mesmo as aventuras do Moderno conseguirão transformar completamente e muito menos remover. A visão religiosa-cristã do mundo, edificada na Idade Média, permanece também como um fator central no politeísmo ideológico do Moderno, no qual desempenha — especialmente no nível popular — um papel de consciência arquetípica da coletividade» (CAMBI, 1999, p. 148-149).
«Toda a educação — e a pedagogia — da Alta Idade Média caracteriza-se como estática e uniforme ao redor do princípio da fé cristã e da Igreja como depositárias do modelo paidéia cristianizada e da função de magistério, que ela exerce por muitas vias numa sociedade de cultura predominantemente oral e visual, mas vias eficazes que agem nas profundezas do indivíduo, moldando seu imaginário» (CAMBI, 1999, p. 150).
«A longa época da Idade Média — que se desenvolve entre 476, ano do fim do Império Romano do Ocidente, e 1492, ano da descoberta da América, ou entre duas outras datas simbólicas muito próximas dessas — caracteriza-se por uma nova organização da sociedade, que se estrutura em torno do feudo» (CAMBI, 1999, p. 155).
«A paidéia cristã deve tornar-se a "imitação de cristo" e afirma como centrais os valores que, depois, no século XV, Tomas de Kempis invocará como próprios do cristão: o "desprezo do mundo", a humildade, a solidão e o silêncio, o amor de Deus e a consciência do pecado. Estamos diante de um modelo de formação que desenvolve os aspectos de interioridade e de sublimação, que invoca uma atitude de fuga da realidade» (CAMBI, 1999, p. 163).
A exemplo do mundo antigo já teorizado, em A República, por Platão, «A educação do povo se cumpria, essencialmente, pelo trabalho. Era o aprendizado, na oficina ou nos campos, que, desde a idade infantil, dava uma formação técnico-profissional e ético-civil aos filhos do povo. [...] A educação que se realizava no local de trabalho era uma educação da reprodução, das capacidades técnicas, das classes e das relações sociais, sem valorizar realmente a inovação. Ao lado do tempo de trabalho, também para o povo, havia um tempo de não-trabalho (os domingos e as festas religiosas) administrado diretamente pela Igreja através dos ritos e das festas que incidiam profundamente sobre o imaginário mediante todo um sistema de signos e de símbolos que enredavam a experiência do sujeito, valorizando figuras, estilos de vida, comportamentos, mas também suscitando temores, expectativas, exaltações» (CAMBI, 1999, p. 166).
«a visão da Idade Média, tão voltada para o extraterrestre e a sublimação do humano» (CAMBI, 1999, p. 167).
«Nessa escolas alcoranistas, ensina-se a recitar de cor o texto do, de modo a poder usá-lo como guia em qualquer ocasião, em qualquer experiência de vida. Essa orientação fortemente religiosa da educação islâmica permaneceu sempre central, também para os filósofos Algazel, morto em 1111, segundo o qual a educação deve ser guiada pelo sufi, o mestre de vida; esse incita a confiar em Deus a a valorizar atitudes de renúncia e de amor» (CAMBI, 1999, p. 169).
«A imagem da infância da Idade Média é a cristã: a meio caminho entre "pecado" (idade pecaminosa, amoral, segundo Santo Agostinho) e "inocência" (idade de graça, privilegiada e exemplar, como dizem os Evangelhos); as condições de vida da infância são sempre duríssimas, marcadas pela escassez de bens, por violências e marginalização. [...] Ao lado da criança, outra figura marginal é a da mulher: subalterna ao homem, até mesmo na criação (já que deve ser menos alimentada), alheia à educação; ao mesmo tempo marginalizada e exaltada, como ocorre na ideologia cristã, colocada entre Eva e Maria. Só que a Idade Média retoma sob dois aspectos uma valorização da mulher: com as santas de um lado; com o "amor cortês", de outro» (CAMBI, 1999, p. 177).
«O povo, durante a Idade Média — e durante muito tempo também na Idade Moderna — é analfabeto. Seus conhecimentos estão ligados a crenças e tradições ou observações de senso comum: o seu horizonte cultural é muito limitado, mas bem firma na centralidade atribuída à fé cristã e à sua visão de mundo» (CAMBI, 1999, p. 178).
«Na elaboração dos escolásticos, o tema da formação/educação vem ligado à relação entre razão/fé, indivíduo/liberdade e entre desenvolvimento e ordem, mantendo assim a reflexão pedagógica em estreito contato com a metafísica que é, então, a regina scientiarum e o verdadeiro centro teórico do saber» (CAMBI, 1999, p. 190).


Nenhum comentário:

Postar um comentário