terça-feira, 25 de agosto de 2015

LAPASSADE, Georges. Grupos, organizações e instituições. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983.

LAPASSADE, Georges. Grupos, organizações e instituições. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983.
«A ambição da classe ascendente é sempre, no sentido, do controle do Estado» (LAPASSADE, 1983, p. 20).
«A sociedade capitalista e burguesa só deixará de existir efetivamente quando houver perdido a cabeça, quando houver sido decapitada. Um Rei decapitado: eis o símbolo mais direto da revolução» (LAPASSADE, 1983, p. 20).
«O Estado cumpre essa função de encobrimento "ideológico" através das mediações institucionais que penetram em toda a sociedade. O Estado controla a educação, a informação e a cultura. O Estado mantém o que não é dito, suscitando em todo lugar na imprensa, nas conversações quotidianas a autocensura, as normas que proíbe a verdadeira comunicação. A contraprova disso é a liberação da palavra na crise revolucionária, quando se suspende a repressão. O que é mais reprimido é a Revolução. É para evita-la que as ideologias e as instituições dominantes funcionam e mantêm a adesão coletiva ao domínio, ao mesmo tempo em que evitam o conflito e a luta que poderiam por termo à dominação. Em tal conflito o sociólogo não é neutro. O seu papel habitual é forjar uma ideologia, é preencher o silêncio da sociedade por meio de um discurso falso sobre esse silêncio, cobrir permanentemente o "vazio" das significações sociais, produzir "significações" para eliminar o sentido. Por isso, a sociologia é um sintoma da sociedade. É por esse motivo que a contestação da Sociedade moderna implica que os sociólogos se contestem a eles próprios» (LAPASSADE, 1983, p. 23).
«O conflito central, em nossa sociedade, não é "conflito de gerações": é a luta de classe. A recusa de integração social pela jovem geração torna-se, no entanto, ou melhor, já é uma recusa da sociedade de classes, descoberta e rejeitada numa instituição social específica. Nessas sociedades, os jovens são dominados.  É deles, e mediante a sua recusa, que pode vir uma verdadeira transformação do sistema de formação e de enquadramento dos jovens» (LAPASSADE, 1983, p. 25). 
«Os jovens reencontram a eficácia da ação direta, da transgressão das normas instituídas» (LAPASSADE, 1983, p. 25).
«A função integradora das instituições, a tarefa permanente de evitar conflitos e de dissimulá-los aparecem aos olhos de todos. O que se chama algumas vezes de "crise" de "civilização" é, em primeiro lugar e antes de mais nada, a crise das instituições que fundamentam e protegem essa civilização, que asseguram a difusão de suas mensagens, que transmitem as ideologias dominantes, que asseguram a estabilidade e a manutenção da ordem. Atrás dessa ordem, há sempre as forças de repressão» (LAPASSADE, 1983, p. 26).
«O Estado não é nada, desde que não encontre apoio nas "instituições dominantes" [...] essas instituições só se mantêm por meio de sustentáculo do Estado e de seu aparelho de repressão. Assim, por exemplo, quando a instituição universitária não pode mais garantir a ordem interna das universidades, a Polícia do estado toma imediatamente o lugar de todas as polícias culturais em crise. O Estado mantém as instituições pelo medo dos cidadãos. Ao mesmo tempo, essas instituições consolidam o Poder do Estado e, por meio disso, o poder das classes dominantes, no conjunto da sociedade» (LAPASSADE, 1983, p. 27-28). Veja-se, em Durkheim, a legitimação do instituído que lhe parecia como se fora algo "natural", necessária e indispensável. Aqui já havíamos nos esquecido de Marx (essa última crítica é, também, de Lapassade).
«O sistema da verdadeira autogestão deveria por termo à separação entre dirigentes e os que executam, entre os que governam e os que são governados. Quem admite, hoje em dia, [no ano de 1966] a validade desse programa? Habituamo-nos, desde a infância, a considerar essas relações como dados naturais, e eternos, da existência social. O papel da escola é essencial no sentido de preparar os homens para aceitar essa organização da separação. Compreende-se assim que é preciso mudar a escola se quisermos, verdadeiramente, mudar a sociedade» (LAPASSADE, 1983, p. 36-37).
Com relação aos objetivos da educação «o que pertence com exclusividade à escola não-diretiva é o seguinte: os objetivos que se reconhecem são os dos indivíduos formados, e não mais os dos professores. [...] O método não-diretivo é mais fino hoje em dia, parecendo mesmo dispensar a manipulação. [...] A não-diretividade rogeriana define-se mais explicitamente em função da mudança individual e coletiva, quer dizer, em função do inacabado humano » (LAPASSADE, 1983, p. 59-60). [A manipulação na maiêutica de Sócrates ao fazer uso de artifícios para conduzir a discussão e que está também presente em Rousseau e seu Emílio]. (Os comentários sobre a manipulação são Lapassade em nota-de-rodapé).
«Sabe-se que em política o reformismo é a "revolução feita pela burocracia"» (LAPASSADE, 1983, p. 60).
«Na doutrina original de Carl Rogers a não-diretividade individual ou social não coloca em questão a diretividade estrutural. Em outros termos: a autoformação não-diretiva não se funda na autogestão dessa formação. Em sua contradição central» (LAPASSADE, 1983, p. 61).
«A autoformação, a autogestão educativa e a pedagogia institucional implicam, ao contrário, de parte dos alunos, uma atividade de instituir. [...] Descobriremos assim que a verdadeira não-diretividade educativa supõe que se ascenda do nível dos grupos ao nível das instituições. [...] A verdadeira autogestão social não é apenas a autogestão das empresas, das escolas e das organizações sociais de base; é, se isso é possível, a autogestão da sociedade em seu conjunto. É o desaparecimento do Estado e a sua substituição por uma auto-regulação não burocrática das relações entre os grupos e as organizações que constituem uma sociedade» (LAPASSADE, 1983, p. 62).
«A burocracia é assim uma forma de organização da produção: há burocracia quando a organização da sociedade tornou-se propriedade privada de alguns. A burocracia é assim uma estrutura social e um sistema de poder cuja primeira forma histórica é o modo de produção dito "asiático", que prefiro chamar de  modo de produção burocrático» (LAPASSADE, 1983, p. 110).
«O indivíduo, homem livre no seio de sua comunidade, não é protegido por essa liberdade e por essa comunidade, da dependência com relação ao Estado, com relação ao déspota. A exploração do homem pelo homem assume, no seio do modo de produção burocrático, uma forma que Stuart Mill chama de "escravatura política" e Marx chama de "escravatura organizada"» (LAPASSADE, 1983, p. 111).
«A burocracia não existe no exército, mas nas instituições que o servem. Entre nós», afirma Lênin «a origem econômica do burocratismo é diferente: é o isolamento, a dispersão dos pequenos produtores, a sua miséria, a sua falta de cultura, a falta de estradas, o analfabetismo, a falta de trocas entre a agricultura e a indústria, a ausência de ligação, de ação recíproca entre elas» (LENIN apud LAPASSADE, 1983, p. 117).
Para Max Weber a burocracia já não é mais um aparelho. Ela institui-se como nova classe dirigente na sociedade. Para esse pensador «a burocracia de Estado dominaria, sozinha, desde que desaparecesse o capitalismo» (WEBER apud LAPASSADE, 1983, p. 142).
«A linguagem designa com a mesma palavra, burocracia, três distintas realidades: 1. Um tipo de organização definido como sistema preciso e hierarquizado de funções e não de indivíduos. 2. Um tipo de funcionamento de organizações marcado por uma fidelidade excessiva à letra dos regulamentos e por uma rotina que resiste à transformação desses regulamentos. 3. O poder exercido pelos dirigentes das grandes organizações e, sobretudo, das organizações voluntárias» (TOURAINE, 1960 apud LAPASSADE, 1983, p. 164).
Segundo Wright Mills, em sociologia, o "empirismo abstrato" é o método baseado na estatística e entrevistas codificadas e em cartões perfurados. Trata-se de um método cuja autoridade reside na utilização de cifras que o torna um ídolo que se nos apresenta como o único caminho rigoroso. Sendo esse cientificismo sintoma de burocratismo intelectual. «Para o burocrata, o mundo é um universo de fatos a administrar segundo algumas regras rígidas. Para o teórico, o mundo é um universo de conceitos a serem manipulados, muitas vezes sem qualquer regra que se possa discernir. A teoria serve, de muitas maneiras, para justificar ideologicamente a autoridade. A pesquisa com finalidades burocráticas serve para tornar mais manifesta e mais operante a autoridade, fornecendo informações utilizáveis por planificadores autoritários». Concluindo: recorrendo à linguagem de Nizan, pode-se afirmar que para Mills, os "empiristas abstratos" se tornaram na pesquisa e por meio da mesma os "cães de guarda da burocracia" (MILLS apud LAPASSADE, 1983, p. 172-173).
O burocratismo baseia-se em uma pedagogia. Aqui a diretividade burocrática compõe o sistema de comunicações. «Encontram-se esquemas análogos em outros domínios da vida social, por exemplo, na escola e em muitas concepções industriais da formação. O desenvolvimento dos métodos não-diretivos de formação pôs em relevo esse aspecto: as técnicas diretivas não admitem que o saber, ou a habilidade, possam vir das camadas baixas: isso é contrário às normas de uma hierarquização vertical do poder, e, portanto, do saber. O ensino tradicional, na escola, na Universidade, é geralmente autoritário e diretivo, fundado na ordem burocrática. A crítica da pedagogia tradicional e, assim, uma crítica da burocracia» (LAPASSADE, 1983, p. 178).
Dessa maneira «forma-se o indivíduo heterônomo, armado, segundo Riesmann, de um radar para se adaptar à sociedade burocratizada e se conduzir no terreno social. Nessa sociedade, a criança começa por aprender a comportar-se como um bom membro do grupo» (LAPASSADE, 1983, p. 179). 
«A realização do socialismo supõe, primeiramente, a tomada do poder, e esse objetivo intermediário, tornado principal e mesmo único, acaba por determinar a ideologia e o conjunto das atividades do Partido» (LAPASSADE, 1983, p. 181).
«Nunca é demais sublinhar: a burocracia é a organização do poder» (LAPASSADE, 1983, p. 183).
«Todas as relações do ensino são, em realidade, relações hierárquicas que se justificam hipocritamente pelas exigências da formação e da cultura» (LAPASSADE, 1983, p. 209).
Na modernidade, o exame é um dos motores do ensino. No entanto, o exame não é, de maneira alguma, uma medida das aptidões reais adquiridas, «o exame é apenas uma medida da eficiência da preparação para o exame, quer dizer, uma medida de conhecimentos adquiridos para o exame, sem que haja preocupação em apurar se tais conhecimentos persistem depois e apesar do exame, e se eles trouxeram o gosto ou o desgosto do saber. [...] O exame é, sobretudo o marco visível, o critério, o sistema de medidas do professor. Esse, que é um burocrata, tem necessidade de conhecer as normas de seu trabalho, e essas não podem de forma alguma ser o desenvolvimento real dos seres que lhe são confiados» (H. PIERON, 1963 apud LAPASSADE, 1983, p. 209). 
«É falso dizer: eu penso; dever-se-ia dizer: alguém me pensa» (Arthur Rimbaud)


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