CELMA, Jules. Diário de um educastrador. São Paulo: Sammus, 1979.
As
escolas «todas são perfeitos matadouros onde fornadas de garotos vão,
cotidianamente, se fazer socializar, enquadrar, arregimentar, em uma palavra: "educar". Esses lugares
lúgubres, esses templos de docilidade, de abdicação e de escravização enganam
ainda uma multidão inumerável de pessoas, de educadores, de pais. O adulto,
tendo perdido a consciência dos seus desejos primeiros, ignora a existência
destes nos seus descendentes. Na nossa sociedade hierárquica, as pessoas se
dividem em dois campos: os senhores e os escravos, os empregados e os
empregadores, os poderosos e os fracos, os educadores e os educados. A educação
é a mesma para todos. Aí se aprende aceitar essa visão do mundo. Uns
tornar-se-ão Patrões, outros, Escravos. E preciso observar que esta distinção
entre Patrões e Escravos não é tão nítida quanto parece. Cada um é um pouco Patrão
de Alguém e sempre Escravo de alguma Coisa. Baseada na humilhação, na
repressão, na igualação de todos em seres uniformes, idênticos nos seus desejos
artificiais, idênticos nas suas neuroses, idênticos nos seus comportamentos,
nas suas reações, a Educação aparece como um dos melhores pilares de nossas
sociedades, uma das melhores garantias do Poder » (CELMA, 1979, p.
14).
«A
vida tornou-se uma grande prostituição. Tudo se compra e tudo se vende. Os
habitantes do planeta, transformados em objetos poeirentos, derivam em
diferentes velocidades numa imensa estação de triagem, planificados pelo Poder»
(CELMA, 1979, p. 15).
«A
Escola tornou-se obrigatória e gratuita porque esta solução correspondia,
então, aos interesses de classe da burguesia. O desenvolvimento econômico
capitalista exigia uma mão-de-obra mais instruída; o mesmo que hoje em dia,
industrializa o ensino superior. A justificação ideológica dessa política
escolar do Poder não pode residir nesta piedosa Ideia de "cultura popular", neste
sentimento demagógico de "educação das massas", no argumento
vaticanista de "elevação do nível intelectual". Se é verdade que o
desabrochar, a realização total do indivíduo passa, entre outros atos, pelo
jogo do intelecto, não é menos verdade que esta necessidade não foi reconhecida
e imediatamente desviada senão por preocupações de lucro»
(CELMA, 1979, p. 15).
«Nosso
potencial de vida, nosso desejo apaixonado de agir, de criar de ver, de ouvir,
de amar, de fazer, de gozar, transformado, tão facilmente, em um meio de vida,
em uma angústia em relação ao prazer, em uma agonia inconsciente, em um delírio
mórbido» (CELMA, 1979, p. 16).
«Professores!
O Poder está contente convosco! Vós merecestes, realmente, o seu
reconhecimento! A Escola, O Liceu, a Faculdade: um pântano de mediocridade e
inconsciência» (CELMA, 1979, p. 16).
«O
Ensino é um meio de tranquilidade e segurança: um ambiente que seduz. Tranquilo
porque aí nada se faz de muito humano! Aí, não se respeita nem mesmo sua
própria natureza (o professor é, antes de tudo, um funcionário) nem a dos
outros. De fato, como aceitar no outro o que, individualmente, não se permite a
si próprio? Seguro, porque aí, as mudanças, os acontecimentos, às vezes são coriáceos»
(CELMA, 1979, p. 17).
O
professor: «Ele é o rei desbotado, aureolado por um sol que não existe. Sua
dinâmica é simples: ele deve se apresentar aos olhos dos indivíduos como a
perfeição social a ser atingida. Irrepreensível quanto ao hálito. Irrepreensível
quanto ao comprimento dos cabelos. Irrepreensível quanto ao ambiente que
frequenta, seus gestos, seus olhares.
Ele não tem, por assim dizer, gostos, desejos, paixões, salvo a de não
tê-los (desejos, gostos, etc...). Toda curiosidade praticamente desapareceu.
Toda inquietação se apagou num cérebro nebuloso que se sobressalta somente com
a notícia do recebimento de um aumento. Ele está sempre sorridente. Nada parece
perturbá-lo. Em uma palavra: ele é higiênico. É um reprimido sexual. É um
reprimido total. Papai "Poder" e Mamãe "Ideologia" o
educaram. Ele perdeu todas as suas esperanças, como todo mundo. [...] O único
fator que o mantém vivo, biologicamente, é essa luta incessante que ele deve
levar contra seus alunos. Isto o faze se mexer dentro de sua casca. No fim de
alguns anos de serviços prestados à Nação, seu cérebro se habitua a esta
agressividade recíproca. Ele adestra os animais. Ele ama o seu trabalho. É uma
condecoração do Poder» (CELMA, 1979, p. 18-19)!
«As
crianças são educadas por escravos que irão fabricar outros escravos, que
fabricarão outros escravos nos matadouros elétricos. O produto desta vasta
conspiração, deste ignóbil atentado à vida, é a "massa", a "população", a "opinião
pública", a "imensa maioria das camadas da população", os
“eleitores", os "boa gente", "os honestos trabalhadores, os
"heroicos soldados da mãe pátria", as "maiorias
silenciosas", os "condecorados por morte e por serviços
prestados", "os alegres-turistas-trufistas-telespectadores"»
(CELMA, 1979, p. 19).
«Os
professores se auto-educam. É a imensa cadeia ininterrupta dos répteis Homo
sapiens: cada um sufoca o seguinte e é sufocado pelo que o precede. A orquestra
que dirige esse balé é composta de gordos senhores, com ou sem barba e que
fumam charuto. "Vamos!
Vamos!...2 vezes 1, 2; 2 vezes 2, 4... " Duas vezes tudo, nada»
(CELMA, 1979, p. 19)!
«Acrescento
que, nessa necessidade de se dobrar às estruturas, não existem bons ou maus
educadores. Não existem educadores revolucionários, existem somente
revolucionários que trabalham como educadores-castradores» (CELMA, 1979, p.
106).
«Nossa
sociedade mercantil, coisificada, não tem outra prática educativa a não ser a
de apresentar ao ser em estruturação a imagem do Homem-Objeto, do Homem-Robô,
do Homem-Biológico. Não viver afetivamente, não reconhecer a necessidade e a
importância das relações afetivas, é morrer. É ser "trabalho-Família-Pátria".
É traumatizar, para sempre, a percepção que a criança tem da natureza humana. É
impregnar os seus pensamentos, seus sonhos, seus músculos de doses de
alienação, de reificação que ela deverá assumir por toda vida numa sociedade
que vive e morrera disso» (CELMA, 1979, p. 105-106).
«A
escola é uma parte da construção que o governo criou. É o Pode, todo Poder que
é preciso destruir. Por meios que não estejam em contradição com os objetivos a
serem atingidos, por métodos que não
reproduzam os esquema e estruturas que se quer destruir» (CELMA, 1979, p. 106).
«Será
necessário recusar. É preciso recusar tudo. Tudo. Tudo o que existe, pois tudo
está contaminado. É preciso ir o mais longe possível. Impor exigências as mais
radicais, as mais totais. O campo do possível será infinito. A Aventura
reaparecerá. Será preciso tudo recusar e estender esta recusa além da era do
Velho Mundo, para suprimir os portadores de vírus ideológicos. A perseguição
punitiva contra os moralizadores de todos os tipos, os conservadores das velhas
coisas, dos velhos comportamentos, contra todos os chefes, animadores,
especialistas, artistas e outros Adultos, deve se inscrever na consciência
crítica de Todos. Desconfiemos! O poder cria a imagem de uma oposição
revolucionária: a palhaçada leninizante, trotskizante, maoisante, Isto fede!
Será preciso destruir» (CELMA, 1979, p. 107).
«Ora,
nos recebemos de todos os séculos cristãos, dos quais alguns valem por dois,
uma mentalidade particular da qual temos dificuldade de nos livrar. O homem é,
em princípio, um pecador. Ele deve procurar se elevar. Donde uma hierarquização
vertical dos valores humanos: deus, o Anjo, a Alma... etc... embaixo: A Besta,
O Diabo, o Corpo... daí esta separação entre dois domínios, hoje ainda
solidamente enraizada, mesmo nos não-católicos, mesmo em muitos livres-pensadores: a criança tem em
si as coisas que não são boas: a sexualidade, a agressividade, os apetites, que
vêm do seu corpo. Estas tendências são más e é preciso reprimi-las. É preciso
lhe inculcar o que lhe permitirá elevar. Assim, aplica-se à sua personalidade
uma grandeza obrigatória » (CELMA, 1979, p. 126).
Assim
se pronuncia Jules Celma (1979): «A Escola tornou-se obrigatória e gratuita
porque esta solução correspondia, então, aos interesses de classe da burguesia.
O desenvolvimento econômico capitalista exigia uma mão-de-obra mais instruída;
o mesmo que hoje em dia, industrializa o ensino superior. A justificação
ideológica dessa política escolar do Poder não pode residir nesta piedosa Ideia
de "cultura popular", neste
sentimento demagógico de "educação das massas", no argumento
vaticanista de "elevação do nível intelectual". Se é verdade que o
desabrochar, a realização total do indivíduo passa, entre outros atos, pelo
jogo do intelecto, não é menos verdade que esta necessidade não foi reconhecida
e imediatamente desviada senão por preocupações de lucro»
(CELMA, 1979, p. 15).
De
acordo com Jules Celma (1979), «o Ensino é um meio de tranquilidade e
segurança: um ambiente que seduz. Tranquilo porque aí nada se faz de muito
humano! Aí, não se respeita nem mesmo sua própria natureza (o professor é,
antes de tudo, um funcionário) nem a dos outros. De fato, como aceitar no outro
o que, individualmente, não se permite a si próprio? Seguro, porque aí, as
mudanças, os acontecimentos, às vezes são coriáceos» (CELMA, 1979, p. 17).
CELMA, Jules. Diário de um educastrador. São Paulo: Sammus, 1979.
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