A
MORTE DE KRONSTADT
«O
canhoneio de Kronstadt continuou sem
interrupção durante dez dias e dez noites, e cessou subitamente na manhã de 17
de março. O silêncio que cobriu Petrogrado foi mais terrível que os tiros
incessantes da noite anterior. A agonia da espera apossou-se de todos nós. Era
impossível saber o que havia acontecido e por que o bombardeio havia cessado
bruscamente. No final da tarde a tensão deu lugar a um horror mudo. Kronstadt
havia sido subjugada… Dezenas de milhares de homens assassinados — a cidade mergulhada em sangue. A
neve tornou-se o túmulo de um grande número de homens, kursanty e jovens comunistas, cuja artilharia pesada tinha fendido
o gelo. Os heróicos marinheiros e soldados tinham defendido suas posições até o
último sopro de vida. Aqueles que não tiveram a chance de morrer combatendo
caíram nas mãos do inimigo para serem executados ou enviados à lenta tortura
das regiões geladas do norte da Rússia… Eu sentia os membros pesados como
chumbo, uma fadiga imensa em cada nervo. Sentada, inerte, eu olhava a noite.
Petrogrado estava coberta por uma negra mortalha, um cadáver assustador!... As
lâmpadas das ruas piscavam suas luzes amarelas, como círios colocados à cabeça
ou aos pés do morto. No dia seguinte, 18 de março, ainda meio adormecida após a
falta de sono durante os 17 dias de angústia, fui despertada pelo estrépido de
muitos passos. Os comunistas passavam marchando, as músicas imitavam as marchas
militares e cantava-se a Internacional. Seus tons, outrora jubilosos aos meus
ouvidos, soavam agora como um canto fúnebre pela esperança ardente da
humanidade. 18 de março: aniversário da Comuna de Paris de 1871… esmagada dois
meses depois por Thiers e Gallifet, os carniceiros de 30.000 comuneiros!
Imitados em Kronstadt, a 18 de março de 1921» (ARVON, 1984, p. 77 apud GOLDMAN).
(Texto
extraído de Linving my Life, autobiografia
de Emma Goldman).
PS.:
1. Posicionamento de Leon Trotsky [Lev Davidovich Bronstein – 1879-1940]
è Assina o Ultimato
em 5 de março de 1921:
«O governo operário e camponês ordena a Kronstadt
que coloque, sem demora, Kronstadt e os navios amotinados à disposição da República Soviética. Ordeno pois, a
todos aqueles que levantaram a mão contra a pátria socialista, que deponham imediatamente as armas, que
desarmem os que se obstinam e que entreguem-nos às autoridades soviéticas, que libertem imediatamente os comissários e
os representantes do poder. Somente
aqueles que se renderem sem condições poderão contar com a clemência da República
Soviética. Ao mesmo tempo, dou ordens para a preparação e o esmagamento da
rebelião e dos amotinados pela força
armada. A responsabilidade pela desgraça que se abater em consequência sobre
a população pacífica repousará inteiramente sobre os ombros dos insurretos. A
presente advertência é a última» (ARVON, 1984, p. 60).
2. Posicionamento de Zinoviev [Diretor do Comitê
de Defesa de Petrogrado]
è Assina mensagem de Kronstadt em 5 de março de 1921:
«Aos de Kronstadt,
enganados: Agora vocês percebem aonde foram levados pelos patifes? Eis onde
vocês estão!... Todos esses Petrichenko e outros Tukin (membro do Comitê
Revolucionário Provisório encarregado do abastecimento, ex-soldado e, segundo
os bolcheviques, proprietário de seis casas e de três lojas em Petrogrado) são
manipulados como marionetes pelo general czarista Kozlovsky, pelos capitães e
outros guardas brancos reconhecidos. Vocês estão sendo enganados!... Vocês
estão cercados por todos os lados. Algumas horas mais e serão obrigados a
render-se. Kronstadt está sem pão e sem combustíveis. Se vocês persistirem serão caçados como
perdizes. Todos esses generais de Kozlovsky, todos esses patifes como
Petrichenko, Tukin… fugirão no último minuto… Rendam-se imediatamente sem
perder um minuto. Aquele que se render voluntariamente será perdoado. Rendam-se
imediatamente» (ARVON, 1984, p. 61).
ARVON, Henri.
A revolta de Kronstadt. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1984. Tradução de: Elvira Serapico.
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