KAUTILYA – O “Maquiavel da
Índia”
Tradução do
francês de Sérgio Bath
A presente tradução é uma paráfrase de trechos selecionados do Arthashastra de Kautilya, o
"Maquiavel da Índia", em linguagem vazada de forma a conquistar o
interesse e o entendimento do leitor brasileiro. Uma linha de corte,
pontilhada, marca o início e o fim de cada excerto. O tradutor baseou-se na 5.ª
edição da versão inglesa por excelência, de R. Shamasastry, publicada em
Mysore, em 1956 (Editora Sri Raghuveer), com uma introdução de J. F. Fleet.
Esse texto, Arthashastra, teria sido
escrito entre 321 e 300 antes de Cristo. Seu autor, Kautilya, estadista
indiano, primeiro-ministro do Rei Chandragupta.
ARTHASHASTRA
CAPÍTULO XV - As sessões do Conselho de Estado - (p. 96-98)
Uma vez
que tenha firmado sua posição na afeição dos grupos locais e estrangeiros,
tanto no seu próprio território como no estado inimigo, o soberano irá se
ocupar da administração pública.
Todas
as medidas administrativas serão precedidas pelas deliberações de um conselho
bem formado. A agenda dessas reuniões será confidencial, e as discussões
conduzidas em tal segredo que nem um simples pássaro as presencie -- porque se
comenta que tais segredos já foram divulgados por papagaios, outras aves, cães,
etc. Por isso, nunca se deve iniciar tais deliberações sem a certeza de que não
serão reveladas ao público. E aquele que for culpado de tal violação deve ser
executado.
O
conhecimento das decisões tomadas poderá ser percebido pela observação de
mudanças na atitude e na aparência das pessoas. Deve ser mantido total segredo
sobre as deliberações do conselho, vigiando-se os que delas participarem até o
momento de iniciar o trabalho projetado. Esse segredo pode ser revelado pela
falta de cuidado, a embriaguez, palavras pronunciadas durante o sono ou
encontros amorosos e outras indiscrições dos conselheiros.
As
decisões do conselho poderão ser reveladas por quem se sentir desconsiderado,
ou alimentar um propósito secreto. Contra esse perigo deverão ser tomadas
precauções. A revelação das decisões tomadas pelo conselho só é vantajosa para
pessoas fora do círculo do soberano e seus ministros.
"Por
isso", diz um mestre, "o soberano deve decidir sozinho os assuntos
secretos, pois os assessores têm seus próprios assessores, e estes também; esta
sucessão de assessores leva à divulgação dos segredos.
"Assim,
ninguém deverá conhecer os objetivos que o soberano tem em mente, a não ser os
que estiverem incumbidos de executá-los, ao iniciar esses trabalhos ou ao
concluí-los."
Diz outro
mestre: "A deliberação por uma pessoa isolada não pode ter êxito. A
natureza das tarefas de um soberano deve ser inferida de causas visíveis e
também invisíveis. Ora, a percepção do que não é visível, a interpretação
definitiva do que se vê, a solução das dúvidas a respeito do que sustenta duas
opiniões divergentes, a inferência da totalidade, quando só uma parte é
conhecida, tudo isso só pode ser decidido mediante a discussão em conselho. Por
isso o soberano deverá deliberar com pessoas de mente aberta."
"Ouvirá
a opinião de todos, sem desprezar qualquer uma, pois o sábio utiliza até mesmo
o conselho de uma criança, quando é sensato."
Diz
outro mestre: "Isto seria mera coleta de opiniões, não uma deliberação
coletiva. O soberano perguntará a opinião de cada conselheiro sobre um trabalho
semelhante ao que pretende executar, especulando sobre o que fazer e como
enfrentar as conseqüências. E agirá de acordo com o que disserem. Deste modo,
poderá ao mesmo tempo ouvir conselhos e manter segredo."
"Não
é assim", diz outro mestre, "porque quando são interrogados sobre uma
meta longínqua, os conselheiros reagem com indiferença ou opinam sem muito
empenho. O soberano precisará consultar pessoas capazes de ter um julgamento
decisivo sobre os trabalhos que pretende executar. Só assim receberá conselhos
efetivos, além de confidenciais."
Para
Kautilya, porém, essa busca de conselhos é infinita, nunca termina. O soberano
deve consultar três ou quatro conselheiros. Em casos difíceis, a consulta a um
único conselheiro pode não resultar em qualquer conclusão definitiva. Mas um
conselheiro, isoladamente, responderá sempre de forma incisiva, sem hesitações.
Ao deliberar com dois conselheiros, o soberano poderá sucumbir à sua influência
combinada, ou então ser prejudicado por uma divergência entre eles. Com três ou
quatro conselheiros, porém, o soberano alcançará resultados satisfatórios, sem
grande dificuldade. Se os conselheiros são mais de quatro, a decisão só será
alcançada depois de muito trabalho; e será mais difícil manter o segredo.
Assim, segundo as circunstâncias de tempo e lugar, e a natureza do trabalho em
questão, o soberano poderá decidir se convém deliberar sozinho ou com um ou
dois conselheiros.
São os
seguintes os cinco fatores de qualquer deliberação: os instrumentos para
executar o trabalho, o comando de homens e meios em escala suficiente, o local
e o tempo, a prevenção dos perigos e o êxito final.
O
soberano poderá indagar opinião dos conselheiros, individual ou coletivamente,
e avaliar a competência de cada um deles ao medir as razões que apresentem para
sustentar seu parecer.
É
preciso não perder tempo, quando surge a oportunidade. E também evitar longa
deliberação com aqueles cujos aliados serão prejudicados pela decisão do
soberano.
KAUTILYA. Arthashastra. (p. 77-119).
In: ISÓCRATES. et
al. Conselhos aos governantes. Brasilia: Senado Federal, 2000, 841p. (Coleção Clássicos da política).
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