STIRNER, Max. O único e a sua propriedade. Lisboa: Portugal. Antígona, 2004,
339p.
PEDAGOGIA E
LIBERALISMO [1]
A eficácia dos espíritos clericais caracteriza-se, sobretudo por aquilo a
que vulgarmente se chama a "influência
moral". E essa influência moral começa onde principia a humilhação,
não é mesmo outra coisa senão essa humilhação, que quebra e faz vergar a
coragem (Mut), reduzindo-a a humildade (Demut). Se grito a alguém que está perto de um penhasco que vai ser
dinamitado, pedindo-lhe para se afastar, não estou a exercer com isso qualquer
influência moral; quando digo a uma criança "vais passar fome se não
comeres o que vem à mesa", também isso não corresponde a nenhuma
influência moral. Mas se eu lhe disser que tem que rezar, de honrar pai e mãe,
de respeitar o crucifixo, de dizer sempre a verdade, etc, porque isso faz parte
da natureza do homem e é a sua vocação, ou mesmo que essa é a vontade de Deus,
nesse caso trata-se de influência moral: espera-se que um indivíduo concreto se
vergue ante a vocação do homem, que
seja obediente e humilde, que renuncie à sua vida em favor de uma outra que lhe é estranha e quer valer como mandamento e lei. Ele deve
então humilhar-se perante algo superior: auto-humilhação. "Aquele
que se humilha será exaltado" (*). Pois é, as crianças têm de ser educadas a
tempo no sentido da devoção, da religiosidade e da honradez; um indivíduo de
boa educação é aquele a quem os "bons princípios" foram ensinados e inculcados, metidos na cabeça a força pela sova e doutrina.
Se alguém encolhe os ombros diante disto, os bons erguem logo as mãos e
exclamam: "Valha-me Deus! Se não educarmos as crianças nos bons
princípios, elas vão cair nas garras do pecado e tornam-se uns inúteis!"
Calma, profetas da desgraça! Elas serão inúteis no vosso sentido, mas acontece
que o vosso sentido é que é um sentido inútil. As pestinhas, os refilões, não
vão deixar-se enrolar pela vossa conversa e as vossas lamúrias, e não terão
qualquer simpatia pelas idéias absurdas que vos empolgam e vos fazem delirar há
tanto tempo: eles vão acabar com as leis hereditárias, ou seja, não vão querer herdar a vossa estupidez, como vós a
herdastes de vossos pais; e vão eliminar de vez os pecados que herdaram, o pecado original. Quando lhes ordenardes: "Curva-te perante o
Altíssimo!", eles vão responder: "Se Ele nos quer fazer vergar, que
venha cá e o faça, que nós não o fazemos de livre vontade". E quando os
ameaçardes com sua ira e o Seu castigo, eles vão reagir como se os ameaçásseis
com o papão. E se não conseguirdes meter-lhes medo com fantasmas, isso é sinal
de que chegou ao fim o domínio dos fantasmas e de que as histórias da
carochinha já não encontram quem nelas tenham... fé.
E digam lá se não são outra vez os liberais que
insistem na necessidade de uma boa educação e da reforma do sistema educativo?
Naturalmente, senão com é que o seu liberalismo, a sua "liberdade adentro
dos limites da lei" iria afirmar-se sem disciplina? Se é certo que eles
não educam propriamente no sentido do temor a Deus, também é verdade que exigem
tanto mais energicamente o temor dos
homens, ou seja, o temor do
homem, e despertam, pela disciplina, o "entusiasmo pela verdadeira vocação
humana". (STIRNER,
2004, p. 70-71).
(*) Mateus
23, 12.
[1]
Transcrição das páginas 70 e 71 da obra da referência; foi acrescido o
título “Pedagogia e Liberalismo”.
STIRNER,
Max. O único e a sua propriedade.
Tradução de João Barrento. Posfácio de José A. Bragança de Miranda. Antígona.
Lisboa. 2004. 339 pág. - Johann Caspar Schmidt. (1806/1856).
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