terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Errico Malatesta - Principios Gerais do Anarquismo

SÍNTESE DO ANARQUISMO

PRINCÍPIOS GERAIS DO ANARQUISMO

(Errico Malatesta)

Cremos que a maior parte dos males que afligem a
Humanidade é devida à má organização social; e que os homens,
por sua vontade e saber, podem fazê-los desaparecer.
A atual sociedade é o resultado das lutas seculares que os
homens travaram entre si. Os homens desconheciam as
vantagens que podiam resultar para todos, orientando-se pelas
normas da cooperação e da solidariedade. Consideravam cada um
de seus semelhantes (excetuados, quando muito, os membros de
sua família), um concorrente ou um inimigo. E procuravam
monopolizar, cada qual para si, a maior quantidade possível de
gozos, sem pensar nos interesses dos outros.
Naturalmente, nessa luta, os mais fortes e os mais espertos
deveriam vencer, e de diversas maneiras, explorar e oprimir os
vencidos.
Enquanto o homem não foi capaz de extrair da natureza
senão o estritamente necessário à sua manutenção, os
vencedores limitaram-se a pôr em fuga e a massacrar os vencidos
para se apoderarem dos produtos silvestres, da caça, da pesca
num dado território.
Em seguida, quando, com a criação do gado e com o
aparecimento da agricultura, o homem soube produzir mais do
que precisava para viver, os vencedores acharam mais cômodo
reduzir os vencidos à escravidão e fazê-los trabalhar para eles.
Muito tempo após, tornou-se mais vantajoso, mais eficaz e
mais seguro explorar o trabalho alheio, por outro sistema:
conservar para si a propriedade exclusiva da terra e de todos es
instrumentos de trabalho, e conceder liberdade aparente aos
deserdados. Logo, estes, não tendo meios para viver, eram
forçados a recorrer aos proprietários e a trabalhar para eles nas
condições que os patrões lhes impunham.
Assim, pouco a pouco, a Humanidade tem evoluído através de
uma rede complicada de lutas do toda espécie
invasões,
guerras, rebeliões, repressões, concessões feitas e retomadas,
associações dos vencidos unindo-se para a defesa e dos
vencedores coligados para a ofensiva. O trabalho, porém, não
conseguiu ainda a sua emancipação. No atual estado da
sociedade, alguns grupos de homens monopolizam
arbitrariamente a terra e todas as riquezas sociais, enquanto que
a grande massa do povo, privada de tudo, é espezinhada e
oprimida.
Conhecemos o estado de miséria em que se acham
geralmente os trabalhadores, e conhecemos todos os males
derivados dessa miséria: ignorância, crimes, prostituição,
fraqueza física, abjeção moral e morte prematura.
Constatamos a existência de uma casta especial
o governo 
que se acha de posse dos meios materiais de repressão
e que se arroga a missão de legalizar e defender os privilégios dos
proprietários, contra as reivindicações dos proletários, pela
prisão; e do governo contra a pretensão de outros governos,
pela guerra. Detentor da força social, esse elemento utiliza-a em
proveito próprio, criando privilégios permanentes e submetendo à
sua supremacia até mesmo as classes proprietárias.
Enquanto isso, outra categoria especial
o clero por meio
de uma pregação mística sobre a vontade de Deus, a vida futura
etc., consegue reduzir os oprimidos à condição de suportar
docilmente a opressão. Esse clero, assim como o governo, além dos
interesses dos proprietários prossegue na defesa dos privilégios.
Ao jugo espiritual do clero ajusta-se o de uma "cultura"
oficial que é, em tudo quanto possa servir aos interesses dos
dominadores, a negação mesma da ciência e da verdadeira
cultura. Tudo isso fomenta o nacionalismo jacobino, os ódios de
raças, as guerras
e as pazes armadas, por vezes mais
desastrosas ainda que as próprias guerras. Tudo isso transforma
o amor em tormento ou em mercado vergonhoso. E, no fim de
contas, reinarão o ódio mais ou menos disfarçado, a rivalidade, a
suspeita entre todos os homens, a incerteza e o medo de cada
um em face de todos.
Os anarquistas querem mudar radicalmente este estado de
coisas. E, pois que todos os males derivam da luta entre os
homens, da procura do bem-estar de cada um para si e contra
todos os outros, que rem os anarquistas remediar semelhante
sistema
substituindo o ódio pelo amor; a concorrência pela
solidariedade; a presença exclusiva do bem-estar particular pela
cooperação fraternal para o bem de todos; a opressão e o
constrangimento pela liberdade; a mentira religiosa e pseudocientífica
pela verdade. Em resumo, querem os anarquistas:
1.°
Abolição da propriedade (capitalista ou estatal) da
terra, das matérias-primas e dos instrumentos de trabalho, para
que ninguém tenha meios de explorar o trabalho dos outros e para
que todos, assegurados os meios de produzir e de viver, sejam
verdadeiramente independentes e possam associar-se livremente
uns com os outros, no interesse comum e de conformidade com as
afinidades e simpatias pessoais.
2.°
Abolição do Estado e de qualquer poder que faça leis
para impô-las aos outros; portanto, abolição de todos os órgãos
governamentais e todos os elementos que lhe são próprios, bem
como de toda e qualquer instituição dotada dos meios de
constranger e de punir.
3.°
Organização da vida social por iniciativa das
associações livres e das livres federações de produtores e
consumidores, criadas e modificadas conforme à vontade de seus
componentes guiados pela ciência e pela experiência e libertos de
toda obrigação que não se origine da necessidade natural, à qual
todos de bom grado se subme. terão quando lhe reconheçam o
caráter inelutável.
4.°
A todos serão garantidos os meios de vida, de
desenvolvimento, de bem-estar, particularmente às crianças e a
todos os que sejam incapazes de prover à própria subsistência.
5.°
Guerra a todos os preconceitos religiosos e a todas as
mentiras, mesmo que se ocultem sob o manto da ciência.
Instrução completa para todos, até aos graus mais elevados.
6.°
Guerra às rivalidades e aos prejuízos patrióticos.
Abolição das fronteiras, confraternização de todos os povos.
7.°
Libertação da família de todas as peias, de tal modo
que ela resulte da prática do amor, livre de toda influência
estatal ou religiosa e da opressão econômica ou física.


MALATESTA, Errico. Síntese do Anarquismo: princípios  gerais  do Anarquismo. 2. Ed. São Paulo, 2007, p. 25-27 (In: LEUENROTH, Edgard. Anarquismo: roteiro da libertação social. 2. Ed. São Paulo: Centro de Cultura Social CCS-SP/Rio de Janeiro:  Achiamé, 2007.
 

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