Não tentarei justificar a sabotagem em termos morais. O mero fato de que os trabalhadores a considerem necessária, já a torna ética. Ser necessidade é a maior justificativa para sua existência.
FLYNN, Elizabeth Gurley[1]
A objeção que se faz á sabotagem baseia-se no argumento de que ela destrói a fibra moral do indivíduo, seja lá o que for que isso signifique! A fibra moral de um trabalhador!
Aqui temos um pobre trabalhador, trabalhando doze horas por dia, sete dias por semana, por dois dólares diários na siderúrgica de Pittsburg. Se esse homem usar sabotagem, isso irá destruir sua fibra moral. Bom, se isso é verdade, então fibra moral é a única coisa que lhe resta.
Em um estágio da sociedade quando os homens produziam um artigo completo, ou seja, quando um sapateiro pegava um pedaço de couro cru, cortava-o, preparava-o, planejava os sapatos, confeccionava cada parte desses mesmos sapatos, e tinha como resultado um produto final, esse processo representava para esse homem o que uma escultura representa para o artista, existia prazer no trabalho manual e artesanal, havia prazer no trabalho.
Mas será que alguém acredita que um trabalhador em uma fábrica de sapatos, um homem entre cem, cada um deles executando uma pequena parte de um todo, em pé diante de uma máquina e escutando o tique-taque dessa máquina o dia inteiro - que esse homem tem qualquer prazer em seu trabalho ou qualquer orgulho do produto final?
O trabalhador da seda, por exemplo, faz coisas lindas, uma seda brilhante e maravilhosa. Quando a colocam em uma vitrine de Altman, ou da Macy, ou da Wanamaker, ela é belíssima. Porém o trabalhador da seda nunca tem oportunidade de usar um único metro daquele tecido. E a produção daquele objeto tão belo, em vez de ser um prazer, é uma tortura constante para o pobre trabalhador. Na fábrica az um objeto precioso. Volta para casa e encontra pobreza, miséria e dificuldades. Enquanto tece uma seda maravilhosa para algum grupo de mulheres nova-iorquinas de dúbia reputação usar, ele próprio se veste de algodão.
Lembro que uma noite tivemos uma reunião com 5.000 crianças (Nós as chamamos para discutir se deveria ou não haver uma greve nas escolas. Os professores não estavam dizendo a verdade sobre a greve e decidimos que as crianças deveriam ouvir a verdade ou seria melhor que nem fossem à escola). Eu lhes perguntei: “Crianças, algum de vocês tem uma roupa de seda em casa? A mãe de alguém aqui tem um vestido de seda?” Um molequinho esfarrapado na primeira fila gritou, “Lógico, minha mãe tem um vestido de seda”.
Disse eu: “Onde é que ela conseguiu o vestido?” – uma pergunta talvez um pouco indelicada, mas natural.
Ele respondeu: “Meu pai estragou a seda e teve que trazer pra casa”.
A única vez que ganham um vestido de seda é quando estragam o produto e ninguém mais pode usá-lo; quando o vestido está tão destroçado que ninguém mais iria desejá-lo. Aí podem ficar com ele.
O trabalhador da seda tem orgulho de seus produtos!
Falar com essas pessoas sobre ter orgulho de seu trabalho é tão absurdo como falar com o varredor de rua sobre orgulho do seu trabalho, ou dizer ao homem que raspa a sujeira do esgoto que tenha orgulho daquilo que faz.
Se eles pudessem fazer um produto inteiro, ou se fizessem juntos, mas uma associação democrática, e depois pudessem dispor da seda – poderiam usar parte dela, fazer uma roupa para si mesmo com aquele tom salmão, tão belo, ou com os azuis tão delicados – então teriam prazer em produzir seda.
Mas até que a escravidão assalariada e a exploração do trabalhador sejam eliminadas, é ridículo falar que estaríamos destruindo a “fibra moral” do indivíduo se lhe dissermos que destrua “seu próprio produto”.
Destruir seu próprio produto!
O que ele está destruindo é o prazer de algum outro. A chance de que alguma outra pessoa use o produto que ele criou na escravidão.
Existe um outro argumento contra a sabotagem que diz, mais ou menos, que “se você utilizar essa estratégia a que chamam de sabotagem, irá desenvolver um espírito de hostilidade, uma atitude antagônica para com todos os demais da sociedade, vai se tornar mesquinho e dissimulado, um covarde. É agir de forma desleal”.
Mas o indivíduo que usa sabotagem não está unicamente beneficiando a si próprio. Se ele estivesse apenas cuidando de si mesmo, nunca usaria sabotagem. Seria muito mais seguro não fazê-lo. Quando um homem usa sabotagem, ele normalmente tem a intenção de beneficiar toda a sociedade; age individualmente, mas o faz em benefício de si mesmo e de outros, em conjunto.
A sabotagem exige coragem. Exige individualidade. Desperta, naquele trabalhador, algum tipo de auto-respeito, e a dependência em si mesmo como produtor.
Meu argumento é que, ao invés de ser mesquinho e covarde, um ato de sabotagem é um ato corajoso, transparente. É possível que o patrão não seja informado sobre esse ato pelos jornais, mas ele irá descobri-lo do mesmo jeito, e muito rapidamente. E o homem ou a mulher que utiliza a sabotagem demonstra uma coragem que só pode ser medida da seguinte maneira: quantos dos seus críticos fariam a mesma coisa? Quantos entre vocês, leitores, se dependessem de um emprego em uma cidade da seda como Paterson, tomaria aquele emprego em suas mãos, utilizando sabotagem? Se fossem um maquinista em uma fábrica de locomotivas e tivessem um bom emprego, quantos de vocês arriscariam.
REFERÊNCIA
FLYNN, Elizabeth Gurley. Sabotagem: a retirada consciente da eficiência industrial dos trabalhadores. Curitiba: Edições A7. 2004.
[1]Elizabeth Gurley Flynn - nasceu em 7 de agosto de 1890 em Concord, New Hampshire (EUA), foi a primeira mulher a liderar o Partido Comunista na América. Com dez anos sua família muda-se para New York onde foi educada em escola pública. De uma família de socialistas, aos dezesseis anos ela dá sua primeira palestra, What Socialism Will Do for Women, no Harlem Socialist Club. Em conseqüência desta atividade política foi expulsa da high school. No próximo ano dedica-se exclusivamente a organizar a Industrial Workers of the World – IWW. Lidera greves e organiza trabalhadores, tornando-se líder de movimentos trabalhistas na Pennsylvania, New Jersey, New York, Minnesota e Massachusetts. Apesar de inúmeras prisões nunca conseguiram enquadrá-la como executora de atividades criminosas. Fundou a American Civil Liberties Union, e defendeu incansavelmente os direitos femininos. Em 1936 junta-se ao Communist Party passando a escrever uma coluna feminista no jornal do partido, The Daily Worker. Dois anos depois ela foi eleita para o National Committee. Membro do Comitê Internacional durante a II GM, continuou defendendo os direitos profissionais para as mulheres e foi eleita, em 1942, para o Congress como representante de New York, com mais de 50000 votos. Em 1951 é presa e liberada nove meses após obrigada a prestar serviços por dois anos, na penitenciária feminina de Alderson, West Virginia. Publicou The Alderson Story: My Life as a Political Prisoner (1955) sobre suas experiências nas prisões e novamente foi presa (1956), desta vez só libertada no ano seguinte. Tornou-se, em 1961, presidente do partido comunista americano, cargo que exerceu até sua morte, ocorrida em 5 de setembro de 1964, durante uma de suas visitas à União Soviética, um mês após completar 74 anos e foi enterrada no Waldheim Cemetery. Apesar de sua biografia e conseqüentemente as extremas dificuldades contra as quais teve que lutar, ainda hoje o comando feminino nos partidos de esquerda é muito raro, imagine no início do século XX.
Meu caro Custódio, lendo o texto que publicou não houve como não relacioná-lo ao que estou escrevendo como trabalho de conclusão de meu curso de Pedagogia na UNEB. A temática é justamente a condição humana dos seres humanos trabalhadores sob o controle deste sistema perverso e que não tem a humanidade como objeto. No momento estou aprofundando meus conhecimentos sobre a dialética do senhor e do escravo expressa por Hegel e nela ele explica o porque da escravidão do ser a outro. Estou em busca de analisar como o ser trabalhador pode vir a se libertar de fato de tal escravidão, espero que consiga a resposta.
ResponderExcluirAbraços,
Izabel Xavier
Olá... boa noite; também é meu desejo que consiga a resposta de como "o trabalhador pode vir a se libertar de fato de tal escravidão".
ResponderExcluirCaso NÃO DESEJAR chegar a ESTÁ RESPOSTA e confirmar o porque NÓS SOMOS ESCRAVOS... a resposta foi dada por um muito jovem rapaz francês conforme referência a seguir:
LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da servidão voluntária. 4. ed, São Paulo: Brasiliense, 1987, 239p.
“Por tanto são os próprios povos que se deixam, ou melhor, se fazem dominar, pois cessando de servir estariam quites; é o povo que se sujeita, que se degola, que, tendo a escolha entre ser servo ou ser livre, abandona sua franquia e aceita o jugo; que consente seu mal – melhor dizendo persegue-o”. (LA BOÉTIE, 1987, p.14).
“Desse modo os homens nascidos sob o jugo, mais tarde educados e criados na servidão, sem olhar mais longe, contentam-se em viver como nasceram; e como não pensam ter outro bem nem outro direito que o que encontraram, consideram natural a condição de seu nascimento”. (LA BOÉTIE, 1987, p.20).
“Logo que um rei declarou-se tirano, tudo que é ruim, toda a escoria do reino – não falo de um monte de gatunos e desorelhados que numa república não podem fazer muito mal nem bem, mas dos que são manchados por ambição ardente e notável avareza – reúnem-se à sua volta e o apóiam para participarem da presa e serem eles mesmos tiranetes sob o grande tirano. Os grandes ladrões e os famosos corsários fazem assim: uns desnudam o país, os outros perseguem os viajantes, uns armam emboscadas, os outros estão à espreita, os outros massacram, os outros esfolam; e embora existam primazias entre eles e uns sejam apenas criados e os outros chefes do bando, no final não há um que não se sinta parte, senão do espólio principal, ao menos da busca”. (LA BOÉTIE, 1987, p. 32).
PS.:
OUTRO ASSUNTO:
== O REGINALDO era do ano de 2005, formando em 2009 e eu já coloquei naquele comentário o EMAIL dele.
"Todo Poder ao Indivíduo"