A evolução, a revolução e o ideal anarquista
(Élisée Reclus)
“A evolução é o movimento infinito de tudo o que existe, a transformação incessante do Universo e de todas as suas partes desde as origens eternas e durante o infinito dos tempos. As vias lácteas que surgem nos espaços sem limites, que se condensam e se dissolvem durante os milhões e os bilhões de séculos, as estrelas, os astros que nascem, que se agregam e morrem, nosso turbilhão solar com seu astro central, seus planetas e suas luas, e, nos limites estreitos de nosso pequeno globo terráqueo, as montanhas que surgem e desaparecem de novo, os oceanos que se formam para em seguida secar, os rios que se vê formar nos vales, depois secar como o orvalho da manhã, as gerações das plantas, dos animais e dos homens que se sucedem, e nossos milhões de vidas imperceptíveis, do homem ao mosquito, tudo isto nada mais é senão um fenômeno da grande evolução, arrastando todas as coisas em seu turbilhão sem fim” (RECLUS, 2002, p. 21).
“Em comparação com este fato primordial da evolução e da vida universal, o que são todos estes pequenos acontecimentos denominados revoluções: astronômicas, geológicas ou políticas? Vibrações quase insensíveis, aparências, poder-se-ia dizer. É por miríades e miríades que as revoluções se sucedem na evolução universal; mas, por mínima que sejam, elas fazem parte deste movimento infinito” (RECLUS, 2002, p. 21).
“Ente nós, revolucionários, um fenômeno análogo deve realizar-se; nós também devemos conseguir compreender com perfeita retidão e sinceridade todas as idéias daqueles que combatemos; devemos fazê-las nossa, mas para dar-lhes seu verdadeiro sentido. Todos os raciocínios de nossos interlocutores, retardados pelas teorias ultrapassadas, classificam-se naturalmente em seu verdadeiro lugar, no passado, não no futuro. Eles pertencem à filosofia da história” (RECLUS, 2002, p. 41).
“Assim, o homem que quer desenvolver-se como ser moral deve defender exatamente o contrario do que lhe recomendam a Igreja e o Estado: ele deve pensar, falar, agir livremente. Estas são as condições indispensáveis de todo o progresso (...) a plena e absoluta liberdade de exprimir seu pensamento em todas as coisas, ciência, política, moral, sem outra reserva alem daquela de seu respeito por outrem” (RECLUS, 2002, p. 74-75).
“É em nome da liberdade, da igualdade, da fraternidade, que se cometem, doravante, todas as maldades. Era para emancipar o mundo que Napoleão fazia seguir atrás dele um milhão de degoladores; é para fazer a felicidade de suas caras pátrias respectivas que os capitalistas constituem as vastas propriedades, constroem as grandes fábricas, estabelecem os poderosos monopólios que restabelecem, sob uma nova forma, a escravidão de outrora” (RECLUS, 2002, p. 36).
“É ao próprio indivíduo, isto é, a célula primordial da sociedade, que é preciso retornar para encontrar as causas da transformação geral, com suas mil opções, segundo as épocas e lugares” (RECLUS, 2002, p. 45-46).
“A primeira condição para o triunfo é nos livramos da ignorância: é preciso que conheçamos todos os preconceitos a destruir, todos os elementos hostis a afastar, todos os obstáculos a transpor, e, por outro lado, não ignorar nenhum dos recursos dos quais podemos dispor, nenhum dos aliados que a evolução histórica nos dá” (RECLUS, 2002, p. 51).
“A história, por mais distante que remontássemos na sucessão das épocas, por mais diligentemente que estudássemos ao nosso redor as sociedades e os povos, civilizados ou bárbaros, policiados ou primitivos, a história nos diz que toda obediência é abdicação, que toda servidão é morte antecipada; ela também nos diz que todo progresso realizou-se na proporção da liberdade dos indivíduos, da igualdade e do acordo espontâneo dos cidadãos” (RECLUS, 2002, p. 54).
“É em nome do povo que ele assina mandados de prisão, mas sob pretexto de defender a moral; não deixa de estar investido do pode de ser, ele próprio, criminoso, de condenar o inocente à prisão e absolver o celerado poderoso; ele dispõe da espada da lei, controla as chaves do calabouço” (RECLUS, 2002, p. 59).
“E de todas as outras instituições de Estado, quer se digam ‘liberais’, ‘protetoras’ ou ‘tutelares’, há alguma que não seja como a magistratura e o exército? Não são elas fatalmente, por seu próprio funcionamento, autoritárias, abusivas, malfazejas?” (RECLUS, 2002, p. 61-62).
“É preciso ser ingênuo entre os ingênuos para ignorar que os ‘catecismos do cidadão’ pregam o amor pela pátria para servir o conjunto dos interesses e dos privilégios da classe dirigente, e que eles procuram manter, em proveito dessa classe, o ódio, de fronteira a fronteira, entre os fracos e os deserdados. Sob a palavra patriotismo e sob os comentários modernos com que a cercam, disfarçam as velhas práticas de obediência servil à vontade de um chefe, a completa abdicação do individuo diante das pessoas que detêm o poder e querem servir-se de toda a nação como de uma força cega” (RECLUS, 2002, p. 65).
“Na grande família da humanidade, a fome não é unicamente o resultado de um crime coletivo, é ainda um absurdo, pois os produtos ultrapassam duas vezes as necessidades de consumo” (RECLUS, p, 73).
“’Pensar, falar, agir livremente’ em todas as coisas” O ideal da sociedade futura, em contraste e, entretanto, em continuação da sociedade atual, define-se da maneira mais clara! De uma só vez o evolucionista, tornando-se revolucionário, separa-se de toda a igreja dogmática, de todo corpo estatutário, de todo agrupamento político de cláusulas obrigatórias, de toda associação, publica ou secreta, na qual o societário deve começar por aceitar sob pena de traição, ordens incontestes” (RECLUS, 2002, p. 75).
“Tendo a evolução econômica contemporânea justificando-nos plenamente em nossa reivindicação de pão, resta saber se ela justifica-nos igualmente em outro domínio de nosso ideal, a reivindicação de liberdade. ‘Nem só de pão vive o homem’, diz um velho provérbio, que permanecerá sempre verdadeiro, a menos que o homem regresse à pura existência vegetativa; mas qual é está substância alimentar indispensável fora o alimento material? Naturalmente a Igreja prega-nos que é a ‘Palavra de Deus’, e o Estado determina-nos que é a ‘Obediência às Leis’. Esse alimento que desenvolve a mentalidade e a moralidade humanas é o ‘fruto da ciência do bem e do mal’, que o mito dos judeus e de todas as religiões que deles derivam nos proíbe como alimento venenoso por excelência, como peçonha moral viciando todas as coisas, e, até mesmo, ‘a terceira geração’, a descendência daquele que a provou! Aprender, eis o crime segundo a Igreja, o crime segundo o Estado, o que quer que possam imaginar padres e agentes de governo que absorveram, apesar disso, esses germes de heresia. Aprender, aí está, ao contrário, a virtude por excelência para o individuo livre, desligando-se de toda autoridade divina ou humana: ele rejeita igualmente aqueles que, em nome de uma ‘Razão suprema’, arrogam-se o direito de pensar e falar por outrem, e aquele que, em nome da vontade do Estado, impõem leis, uma pretensa moral exterior, codificada e definitiva. Assim, o homem que quer desenvolver-se como ser moral deve defender exatamente o contrário do que recomendam a Igreja e o Estado: ele deve pensar, falar, agir livremente. Estas são as condições indispensáveis de todo o progresso” (RECLUS, 2002, p. 74).
“O mundo atual se divide em dois campos: aqueles que agem de maneira a manter a desigualdade e a pobreza, isso é, a obediência e a miséria para os outros, as fruições e o poder para eles mesmos; e aqueles que reivindicam para todos o bem-estar e a livre iniciativa” (RECLUS, 2002, p. 90).
“Em nenhuma das revoluções modernas vimos os privilegiados lutarem, eles próprios, suas batalhas. Sempre se apóiam em exércitos de pobres, aos quais ensinam o que se chama ‘a religião da bandeira’, e os educam no que se denomina ‘manutenção da ordem’” (RECLUS, 2002, p. 98).
RECLUS, Élisée. A evolução, a revolução e o ideal anarquista. São Paulo: Imaginário, 2002, 131p.
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