quinta-feira, 14 de junho de 2012

Max Stirner: Pedagogia e Liberalismo [1]


STIRNER, Max. O único e a sua propriedade. Lisboa: Portugal. Antígona, 2004, 339p.



PEDAGOGIA E LIBERALISMO [1]



A eficácia dos espíritos clericais caracteriza-se, sobretudo por aquilo a que vulgarmente se chama a "influência moral". E essa influência moral começa onde principia a humilhação, não é mesmo outra coisa senão essa humilhação, que quebra e faz vergar a coragem (Mut), reduzindo-a a humildade (Demut). Se grito a alguém que está perto de um penhasco que vai ser dinamitado, pedindo-lhe para se afastar, não estou a exercer com isso qualquer influência moral; quando digo a uma criança "vais passar fome se não comeres o que vem à mesa", também isso não corresponde a nenhuma influência moral. Mas se eu lhe disser que tem que rezar, de honrar pai e mãe, de respeitar o crucifixo, de dizer sempre a verdade, etc, porque isso faz parte da natureza do homem e é a sua vocação, ou mesmo que essa é a vontade de Deus, nesse caso trata-se de influência moral: espera-se que um indivíduo concreto se vergue ante a vocação do homem, que seja obediente e humilde, que renuncie à sua vida em favor de uma outra  que lhe é estranha  e quer valer como mandamento e lei. Ele deve então humilhar-se perante algo superior: auto-humilhação. "Aquele que se humilha será exaltado" (*). Pois é, as crianças têm de ser educadas a tempo no sentido da devoção, da religiosidade e da honradez; um indivíduo de boa educação é aquele a quem os "bons princípios" foram ensinados e inculcados, metidos na cabeça a força pela sova e doutrina. 

Se alguém encolhe os ombros diante disto, os bons erguem logo as mãos e exclamam: "Valha-me Deus! Se não educarmos as crianças nos bons princípios, elas vão cair nas garras do pecado e tornam-se uns inúteis!" Calma, profetas da desgraça! Elas serão inúteis no vosso sentido, mas acontece que o vosso sentido é que é um sentido inútil. As pestinhas, os refilões, não vão deixar-se enrolar pela vossa conversa e as vossas lamúrias, e não terão qualquer simpatia pelas idéias absurdas que vos empolgam e vos fazem delirar há tanto tempo: eles vão acabar com as leis hereditárias, ou seja, não vão querer herdar a vossa estupidez, como vós a herdastes de vossos pais; e vão eliminar de vez os pecados que herdaram, o pecado original. Quando lhes ordenardes: "Curva-te perante o Altíssimo!", eles vão responder: "Se Ele nos quer fazer vergar, que venha cá e o faça, que nós não o fazemos de livre vontade". E quando os ameaçardes com sua ira e o Seu castigo, eles vão reagir como se os ameaçásseis com o papão. E se não conseguirdes meter-lhes medo com fantasmas, isso é sinal de que chegou ao fim o domínio dos fantasmas e de que as histórias da carochinha já não encontram quem nelas tenham... .

E digam lá se não são outra vez os liberais que insistem na necessidade de uma boa educação e da reforma do sistema educativo? Naturalmente, senão com é que o seu liberalismo, a sua "liberdade adentro dos limites da lei" iria afirmar-se sem disciplina? Se é certo que eles não educam propriamente no sentido do temor a Deus, também é verdade que exigem tanto mais energicamente o temor dos homens, ou seja, o temor do homem, e despertam, pela disciplina, o "entusiasmo pela verdadeira vocação humana". (STIRNER, 2004, p. 70-71).

(*) Mateus 23, 12.

[1] Transcrição das páginas 70 e 71 da obra da referência; foi acrescido o título “Pedagogia e Liberalismo”.

STIRNER, Max. O único e a sua propriedade. Tradução de João Barrento. Posfácio de José A. Bragança de Miranda. Antígona. Lisboa. 2004. 339 pág. - Johann Caspar Schmidt. (1806/1856).

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