sexta-feira, 18 de março de 2011

Bakunin: fragmento relativo à escola


Bakunin: fragmento relativo à escola



É preciso que eu lembre que  os  padres  de  todas  as Igrejas,  longe  de se  sacrificarem pelos rebanhos confiados aos seus cuidados, sempre os sacrificam, exploram e mantiveram em estado de rebanho, em parte para satisfazer suas próprias paixões pessoais, em parte para servir à onipotência da Igreja? As mesmas condições, as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos. Isso acontece com os professores da Escola Moderna, divinamente inspirados e nomeados pelo Estado. Eles se tornarão, necessariamente, uns sem o saber, os outros com pleno conhecimento de causa, os mestres da doutrina do sacrifício popular para o poderio do Estado, em seu proveito das classes privilegiadas (BAKUNIN, 2001, p. 45).


Será preciso então eliminar da sociedade todo o ensino e abolir todas as escolas? Longe disso. É necessário distribuir a mancheias a instrução no seio das massas e transformar todas as Igrejas, todos estes templos dedicados à gloria de Deus e à escravização dos homens, em escolas de emancipação humana.
Mas, inicialmente, esclarecemos que as escolas propriamente ditas, numa sociedade normal, fundada sobre a igualdade e sobre o respeito da liberdade humana, só deverão existir para as crianças, não para os adultos; para elas se tornarem escolas de emancipação e não de servilismo, será preciso eliminar, antes de tudo, esta ficção de Deus, o escravizador eterno e absoluto.
Será necessário fundar toda a educação das crianças e sua instrução sobre o desenvolvimento científico da razão, não sobre o da fé; sobre o desenvolvimento da dignidade e da independência pessoais, não sobre o da piedade e da obediência; sobre o culto da verdade e da justiça e, antes de tudo, sobre o respeito humano que deve substituir, em tudo e em todos os lugares, o culto divino. O principio da autoridade na educação das crianças constitui o ponto de parida natural: ele é legitimo, necessário, quando é aplicado às crianças na primeira infância, quando sua inteligência ainda não se desenvolveu abertamente. Mas como o desenvolvimento de todas as coisas, e por conseqüência da educação, implica a negação sucessiva do ponto de partida, este princípio deve enfraquecer-se à medida que avançam a educação e a instrução, para dar lugar à liberdade ascendente.
Toda educação racional nada mais é, no fundo, que a imolação progressiva da autoridade em proveito da liberdade, onde esta educação tem como objetivo final formar homens livres, cheios de respeito e de amor pela liberdade alheia. Assim, o primeiro dia da vida escolar, se a escola aceita crianças na primeira infância, quando elas mal começam a balbuciar algumas palavras, deve ser o de maior autoridade e de uma ausência quase completa de liberdade; mas seu ultimo dia deve ser o de maior liberdade e de abolição absoluta de qualquer vestígio do principio animal ou divino de autoridade.
O principio de autoridade, aplicado aos homens que ultrapassaram ou atingiram a maioridade, torna-se uma monstruosidade, uma negação flagrante da humanidade, uma fonte de escravidão e de depravação intelectual e moral. Infelizmente os governos paternalistas deixaram as massas populares estagnarem-se em tão profunda ignorância que será necessário fundar escolas não somente para as crianças do povo, mas também para o próprio povo. Destas escolas deverão ser absolutamente eliminadas as menores aplicações ou manifestações do principio de autoridade.
Não serão mais escolas; serão academias populares, nas quais não se poderá mais tratar nem de estudantes, nem de mestres, aonde o povo virá livremente ter, se assim achar necessário, um ensinamento livre, nas quais, rico de sua experiência, ele poderá ensinar por sua vez muitas coisas aos professores que lhe trarão conhecimentos que ele não tem. Será, pois um ensinamento mútuo, um ato de fraternidade intelectual entre a juventude instruída e o povo.
A verdadeira escola para o povo e para todos os homens feitos é a vida. A única autoridade onipotente, simultaneamente natural e racional, a única que poderemos respeitar, será aquela do espírito coletivo e público de uma sociedade fundada mútuo de todos os seus membros. Sim, eis uma autoridade que não é de forma alguma divina, inteiramente humana, mas diante da qual nós nos inclinaremos de coração, certos de que, longe de subjugar os homens, ela os emancipará. Ela será mil vezes mais poderosa, estejais certos, do que todas as vossas autoridades divinas, teológicas,, metafísicas, políticas e jurídicas, instituídas pela Igreja e pelo Estado; mais poderosa que vossos códigos criminais, vossos carcereiros e carrascos.
A força do sentimento coletivo ou do espírito público já é muito séria hoje. Os homens com maior tendência a cometer crimes raramente ousam desafiá-la, enfrentá-la abertamente. Eles procurarão enganá-las, mas evitarão ofendê-las, a menos que se sintam apoiados por uma minoria qualquer. Nenhum homem, por mais poderosos que se imagine, jamais terá força para suportar o desprezo unânime da sociedade, ninguém poderia viver sem sentir-se apoiado pelo consentimento e pela estima, ao menos por uma certa parte desta sociedade. É preciso que um homem seja levado por uma imensa e bem sincera convicção, para que encontre coragem de opinar e de marchar contra todos, e nunca um homem egoísta, depravado e covarde terá esta coragem.
Nada prova melhor do que este fato a solidariedade natural e fatal que une todos os homens. Cada um de nós pode constatar esta lei, todos os dias, sobre si mesmo e sobre todos os homens que ele conhece. Todavia, se esta força social existe, por que ela não foi suficiente, até hoje, para moralizar, humanizar os homens? Simplesmente porque, até o presente, essa força não foi, ela própria humanizada; não foi humanizada porque a vida social, da qual ela é sempre a fiel expressão, está fundada, como se sabe, sobre o culto divino, não sobre o respeito humano; sobre a autoridade, não sobre a liberdade; sobre o privilégio, não sobre a igualdade; sobre a exploração, não sobre a fraternidade dos homens; sobre a iniqüidade e a mentira, não sobre a justiça e a verdade.
Por conseqüência, sua ação real, sempre em contradição com as teorias humanitárias  que ela professa, exerceu constantemente uma influencia funesta e depravadora.. Ela não oprime pelos vícios e crimes; ela os cria. Sua autoridade é conseqüentemente uma autoridade divina, anti-humana, sua influência é malfazeja e funesta. Quereis torná-la benfazeja e humana? Fazei a revolução social. Fazei com que todas as necessidades se tornem realmente solidária, que interesses materiais e sociais de cada um tornem-se iguais aos deveres humanos de cada um.
E, para isso, só há um meio: destruí todas as instituições de desigualdade; estabelecei a igualdade econômica e social de todos, e, sobre esta base, elevar-se-á a liberdade, a moralidade, a humanidade solidária de todos (BAKUNIN, 2001, 45-48).
BAKUNIN, Mikhail Alexandrovich. Deus e o Estado. São Paulo: Imaginário, 2000. 95p.

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