TRAGTENBERG, Maurício.
Educação e burocracia. São Paulo: Unesp, 2012.
«A
ampliação da escolarização formal não "salvou" o país, nem se constitui em elemento para a formação de mão-de-obra
qualificada. Em outros termos, quanto menos a escola tem esse papel tanto mais
ela se realiza como aparelho ideológico, inculcando valores e o comportamento
das classes dominantes nas classes dominadas» (TRAGTENBERG, 2012, p.16).
Os educandos «aprendem em ritmos diferentes,
em função de sua origem social, do capital cultural que possuem. […] O
desconhecimento da realidade socioeconômica concreta não pode ser suprido por
nenhuma tecnologia educacional, por mais sofisticada que seja. Ela tem endereço
certo: converter o sistema de ensino no grande mercado das quinquilharias
audiovisuais, fabricadas pelas multinacionais e impingidas aos pobres como a
última palavra do "progresso" e da "modernização"» (TRAGTENBERG, 2012, p.17-19-20).
«O sistema de ensino se realiza através da
distribuição diferencial do saber, possibilitando meios para o exercício
diferencial do poder, que, por sua vez, reproduz diferencialmente a lógica das
classes existentes. Dessa maneira os denominados processos de inovação
pedagógica nada mais são do que inovações tuteladas pelo Estado, que orientam
ideologicamente os métodos de segregação escolar. Assim, quem quiser manter
tudo como está realiza uma reforma educacional e as coisas ficarão como sempre
estavam, porém, com nova roupagem retórica» (TRAGTENBERG, 2012, p. 18).
“O grupo de origem proletária ou camponesa tem
incorporado ao seu capital cultural elementos de caráter mágico-religioso,
cultura de senso comum ou o que antropólogos da pobreza chamam de visão
fatalista do universo” (TRAGTENBERG, 2012, p. 18-19).
A universidade sofre um
processo de "domesticação", na medida em que a sua atuação ocorre no
âmbito da ação dos especialistas, restrita à sua prática pedagógica, sem
conexões com a sociedade global, pelo menos explícitas, transigindo com os
mecanismos "externos" de exclusão e capacitando os seus diplomados a
preencherem as funções de inculcação/repressão que garantam a hegemonia da
facção dominante (2012, p. 24-25).
A universidade só será
de pesquisa quando definir a cultura que vai ensinar (2012, p. 25).
A reforma universitária
de 1968 nada mais significou do que uma inovação tutelada pelo Estado […] Quem
é neutro em política reproduz a
política do poder. […] Produz e
reproduz conhecimentos "legítimos" ao mesmo tempo que confere,
através do título, poder simbólico a quem já tem poder real (TRAGTENBERG, 2012, p. 26).
Dessa maneira, a escola
média, num período de "lactescência" do adolescente, em vias de
dirigir-se ao mercado de trabalho, constitui-se em instituição apenas
"disciplinadora", que ensina as regras de obediência e respeito à
hierarquia a que se sujeita nas empresas privadas burocráticas e hierarquizadas
(TRAGTENBERG,
2012, p. 28).
Educação, acima de tudo,
deve ser vista como um bem público e
não como mercadoria vendida no mercado dos títulos acadêmico (TRAGTENBERG, 2012, p. 32).
A democracia política é insuficiente
sem a democratização das instituições. […] Quanto menos os corpos docentes e
discentes participam das decisões na universidade, mais o estamento burocrático
ocupa lugar (TRAGTENBERG,
2012, p. 32-33)
A universidade no fundo
é isto: um meio de que o Estado se vale para distribuir renda para a pequena
burguesia (TRAGTENBERG,
2012, p. 38).
Quem educa é a
sociedade. A escola ensina e a sociedade educa. […] Não há relação direta entre
altos índices de escolarização e o alto índice de consciência social (TRAGTENBERG, 2012, p. 36)
Quanto menor é o grau de
ensino mais se é ignorado. Porque tudo é hierárquico. […] Você, então, é
qualificado de acordo com a classe social a que serve (TRAGTENBERG, 2012, p. 36).
Num país onde o salário
é de escravo, é muito difícil você falar em pedagogia, falar de técnicas de
educação, falar da função formativa do professor, do professor como detentor do
saber. Não se iludam, não há tanto saber assim a se deter. E isso até o
terceiro grau. […] A universidade hoje forma semianalfabetos. (TRAGTENBERG, 2012, p. 37).
Observem a proliferação das faculdades por todas as cidadezinhas do Brasil com
seus pomposos nomes Faculdade Barão de Mauá, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa. São
títulos desse tipo que nada mais são do que comércio, mercado de diploma. Hoje,
oitenta por cento das universidades brasileiras são particulares. Mas a grande
pesquisa brasileira é feita pelos vinte por cento das universidades estaduais e
federais. São elas que mantêm a pesquisa no Brasil (TRAGTENBERG, 2012, p. 37)
O problema educacional é
só na aparência: na realidade o problema central é socioeconômico-político, ao
qual está estreitamente vinculado o aspecto educacional, que possui um nível de
autonomia relativa em relação a esse conjunto (TRAGTENBERG, 2012, p. 33)
A rede pública que serve
a população pobre é crucificada pela precariedade de recursos e isso é
antissocial (TRAGTENBERG,
2012, p. 39).
Oliveira Vianna já dizia
que os partidos políticos no Brasil são entidades de direito privado e não de
direito público (TRAGTENBERG,
2012, p. 39).
Porque a condição do
trabalhador numa empresa é de semiescravidão, uma escravidão moderna (TRAGTENBERG, 2012, p. 39-40)
O poder coopta muito
intelectual. […] Eu não vejo uma luz no fim do túnel. Eu só estou vendo o
túnel… (TRAGTENBERG,
2012, p. 40)
A Igreja sempre viveu
uma ambiguidade. E isso não é só problema da Igreja Católica: é problema da
religião judaica, da muçulmana, que têm o poder de legitimar o poder de
controlar o povo. É no sentido chinês. E isso leva a Igreja a muitas
ambiguidades. Ela, por exemplo, apoiou o golpe de 1964. A Marcha com Deus pela
Família e Liberdade foi organizada pela Igreja. E a Liberdade acabou, ficou a
Marcha da Família por Deus. Porém, no processo de 1964 a Igreja separou-se do
Estado e começou a ter uma atitude crítica. […] Ela oscila muito entre
legitimar o poder e desmobilizar o povo, e vice-versa. […] É um pêndulo que
oscila muito. Mas me interesso pela importância social e política da Igreja (TRAGTENBERG, 2012, p. 41).
O indivíduo é resultado
da história, é através do processo histórico que ele adquire sua singularidade;
as necessidades pretensamente "naturais" são resultantes do trabalho
social, constituem-se num produto histórico (TRAGTENBERG, 2012, p. 44).
A escola passa a ser a
fábrica dos produtores e consumidores. Na medida em que está inserida na
totalidade social, a escola procura definir "certo tipo de homem" a
ser produzido e reproduzido (TRAGTENBERG, 2012, p. 68).
O que importa para
qualquer instituição burocrática (e a universidade o é antes de qualquer coisa)
é sua sobrevivência como tal (TRAGTENBERG, 2012, p. 70).
A universidade não é uma
instituição neutra como o é a linguagem, é uma instituição dominante, ligada à
dominação, que organiza um tipo de "formação" escolar fundado na
relação burocrática professor x aluno (TRAGTENBERG, 2012, p. 70-71).
Como usina do saber a
instituição universitária tem duas funções: legitimação e formação de
mão-de-obra qualificada para a produção (TRAGTENBERG, 2012, p. 74).
A universidade não é só uma
instituição controladora de conhecimentos, mas também o espaço onde a repressão
pedagógica se institui (TRAGTENBERG,
2012, p. 75).
Dessa forma a escola se
constitui num observatório político, um aparelho que permite o conhecimento e
controle perpétuo de sua população, através da burocracia escolar, do
orientador educacional, do psicólogo educacional, do professor ou até dos
próprios alunos (TRAGTENBERG,
2012, p. 79).
Como a religião e o
esporte, a educação pode se constituir num instrumento do poder e, nessa
medida, o professor é o instrumento da reprodução das desigualdades sociais em
nível escolar (TRAGTENBERG,
2012, p. 79).
A educação na sociedade
dividida em classes serve para: a) a criação da mão-de-obra disponível que o
sistema necessita; b) a inculcação de maneiras de sentir, pensar e agir que
traduzem a ideologia da classe dominante como sendo da "sociedade em
geral", e de seu interesse privado como sendo de "interesse
público". Nesse sentido, jamais poderá ser elemento redutor de
desigualdade, ao contrário, tende a petrificá-las ao conferir, através do
diploma, poder simbólico a quem já o possui no real (TRAGTENBERG, 2012, p. 93).
A grande característica
do sistema escolar brasileiro é a exclusão, e especialmente daqueles que não
tem capital econômico, que moram em favelas, portanto, não tem capital
cultural, não falam o português tão acadêmico como o indivíduo da classe média.
E às vezes nós queremos impor a eles os nossos valores culturais e inclusive
até ético-culturais, os da classe média branca (TRAGTENBERG, 2012, p. 109).
A pedagogia burocrática
é fundada para isso, porque ela cria aquele elemento submisso que vai ser
submisso na empresa privada. Quem sai da escola e vai para a empresa privada,
para a empresa pública, que vai ser acostumado a obedecer ordens, e não a se
autodirigir. A escola não educa para a autonomia, educa para a submissão (TRAGTENBERG, 2012, p. 111).
Do indivíduo que
necessita aprender, ter experiências das coisas, relacionar-se com os outros,
passa-se a enfatizar o sistema. Com base nessa premissa, qualquer realização de
projeto educativo assume formas autoritárias, em que cada um tem que se
encaixar na "máquina devorante". Um universo de alienações é
oferecido ao indivíduo (TRAGTENBERG,
2012, p.178).
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