LEPAPE, Marie-Claire. Pedagogia e pedagogias. Lisboa: Edições 70. 1975.
«Todas
as pedagogias modernas, com efeito, pressupõem unanimemente a possibilidade
duma escola libertadora e, apresentando-se elas próprias como portadora duma
libertação dos indivíduos, estão animadas da esperança duma vitória final da "liberdade" sobre as pressões
sociais ou institucionais » (LEPAPE,
1975, p. 15).
«Hoje,
confunde-se a Escola com a educação, como se confundia, outrora, a Igreja com a
religião» (LEPAPE, 1975, p. 19).
«E no
fim das contas, para que servimos, na escolar, no liceu, na universidade? Nós
somos os grandes distribuidores de notas ou de classificações; somos os
artífices que preparam para um ofício; qualquer que seja a nossa fidelidade aos
programas, somos mais ou menos abertamente, mais ou menos felizmente,
constrangidos a assumir as responsabilidades da entrada para o liceu, para a
universidade, do bacharelato ou da passagem de um ano num curso superior. E a
ter em consideração, nos nossos conselhos de orientação, as estruturas de
acolhimento que são oferecidas aos nossos alunos e o número de empregos
futuros, em função dos quais se calcula a política de educação e se valorizam
ou desvalorizam concursos e exames» (LEPAPE,
1975, p. 27-28).
«De tal
sorte que a relação professor-aluno reduzir-se-ia à relação de "lesa-criança" e que a única salvação seria
o apocalipse: "Crianças,
escreveu Jules Celma, se virdes um
professor ferido, matai-o". Esse apelo ao assassinato (simbólico) do
pai — que reveste, sem dúvida, no clima
repressivo atual da escola, uma virtude polêmica vivificante e qualidades
humorísticas manifestas — anima aquilo que, nos liceus e nas
universidades, se chama a "luta antiautoritária"» (LEPAPE, 1975, p. 29).
«Na
prática concreta da nossa função aceitamos, como evidências inabaláveis, as
próprias condições do exercício do nosso trabalho: "intelectuais" destinados
a formas o sentido crítico dos alunos e a modelar-lhes um espírito belo» (LEPAPE, 1975, p. 33).
«Na República de Platão, a educação é
codificada em leis estáveis e rígidas, que os cidadãos não têm nem o gosto, nem
o poder de pôr em questão, as quais têm em vista formar os indivíduos no
respeito e na manutenção» (LEPAPE,
1975, p. 38-39).
«Em
todos os casos deste gênero — isso é, em todos os casos onde um "corpo" docente, persuadido
do valor da cultura que difunde e do caráter moral da seleção que pratica, toma
a seu cuidado alunos bem condicionados nos mesmos cultos e vivendo, como uma
ascese moral, as exigências, as exigências disciplinares do trabalho escolar —
a pedagogia não se pode definir senão em relação a uma tradição repetida e
reproduzida bastante ritualmente, para ganhar, na força de sua repetição, o
estatuto venerável dos ideais eternos» (LEPAPE,
1975, p. 40).
«A
inteligência escolar é, com efeito, o sinal de paciência dos "melhores" para
suportarem a distância das etapas intermediárias entre a ignorância (do aluno)
e o saber (do professor-adulto); paciência das repetições e das recitações de
cor; paciência dos exercícios; o exercício é um trabalho sem criação; um
exercício "de aplicação" (em todos os sentidos do termo), um
exercício de "controle" (em todos os sentidos do termo, também).
Paciência na aceitação da disciplina: o bom aluno nunca tem problemas com a
administração; traz sempre a sua bata; nunca é "insolente" para com
os professores (a insolência e o mau espírito são as duas taras do
"mau" aluno). Paciência no modo de esperar a "vida":
trabalhar não é brincar; a prova disso é que o desejo de saber (dos
"bons") é oposto ao saber do desejo. [...] É certo, sem dúvidas, que as
qualidades escolares não podem pactuar com a revolta. Nesse sentido, pode
dizer-se que a pedagogia é "a educação moral das crianças" e que o ensino tem por
função renovar as condições da existência duma sociedade e perpetuar-lhe os
valores, dos quais assegura o reconhecimento» (LEPAPE,
1975, p. 42-43).
«A
indústria vai buscar à ciência o que é útil, o que aumenta a sua eficiência: a
técnica científica utiliza as descobertas, segundo as exigência das suas
necessidades, necessidades essas determinadas pelas leis da concorrência e do mercado»
(LEPAPE, 1975, p. 48).
«Todas
as seleções operadas sobre os candidatos, a partir da escola primária, são
impotentes para demonstrar que um "saber" foi bem "adquirido" ao longo da
escolaridade. E isso mesmo ao nível elementar da lógica da frase, da ortografia
gramatical (não falemos da ortografia de uso), da propriedade dos tempos. Ainda
menos da precisão de conhecimentos» (LEPAPE,
1975, p. 56-57).
«[...]
A classificação faz-se em função da maior ou menor facilidade em reproduzir
modelos predeterminados. A linguagem que dimana da espontaneidade é,
logicamente, inclassificável» (LEPAPE,
1975, p. 64).
«Porque,
também, esse controle das aquisições é inseparável da função de seleção da
escola que, prepara direta ou indiretamente para a profissão, tem por função
renovar as forças produtivas duma nação e responder, mais ou menos diretamente,
à solicitação dos lugares a preencher» (LEPAPE,
1975, p. 65).
«A
educação tem por objetivo a efetivação da sociedade política que a organiza» (LEPAPE, 1975, p. 139).
«A
linguagem que o professor fala não é uma linguagem libertada.[...] Desse modo,
a nossa ação pedagógica será sempre, forçosamente, limitada: diante do sistema
tradicional de ensino, que demonstra cada
vez mais sua incapacidade de adaptação aos movimentos sociais aos movimentos da
população escolar, e cujo caráter repressivo a crise atual da
escola faz realçar, apercebemos mais facilmente de que a linguagem pedagógica é
a de uma elite intelectual, que perpetua e reproduz os valores e tabus da
classe dominante; o professor tradicional aparece, sem dificuldade, como "cão de guarda", ainda que não fosse senão
pelo seu apego à imutabilidade das normas, à cultura clássica, à seleção. Mas a
humanização do saber e a personalização da sua transmissão, que são
características das pedagogias novas, não seriam capazes de apagar a realidade
social da linguagem. A escola, certamente, pode corrigir a influência do meio,
mas não a pode suprimir»
(LEPAPE, 1975, p. 66-77).
«Por
uma feliz escolha, que dos próprios conhecimentos, quer dos métodos para
ensiná-los pode instruir-se toda a massa dum povo, de tudo aquilo que um homem
tem necessidade de saber para a economia doméstica, para a administração dos
seus negócios, para o livre desenvolvimento do sue talento e das faculdades,
para conhecer, defender e exercer os seus direitos; para der instruído sobre
seus deveres, a fim de poder bem cumpri-los, para julgar as ações dos outros,
com as próprias luzes, e não ser estranho e nenhum dos sentimentos elevados ou
delicados que honram a natureza humana» (CONDORCET apud LEPAPE, 1975, p. 79).
«Professor
– dizia durante a III República (dirigindo-se ao professor primário), Léon
Bourgeois, presidente da Liga do ensino — tu
és o depositário do tesouro intelectual e moral, pelo qual se fez a unidade da
consciência humana… Tu és o representante da razão. Tu és o representante da
ideia nacional e da consciência social. Tu és, em cada aldeia, não apenas o
intérprete das ideias comuns, mas o homem cuja presença é suficiente para
manifestá-las. Tu exerces uma espécie de magistratura dos costumes» (IDA BERGER & ROGER BENJAMIN, 1964, p. 51
apud LEPAPE, 1975, p. 85).
«Ainda
que tentemos falar menos do que o habitual, nao deixa de ser menos verdade que
o nosso trabalho situa-se no domínio da palavra. A linguagem da investigação
científica refere-se a experiências reais, que lhe servem de caução objetiva e
que são garantias de verdade. A linguagem do pedagogo refere-se, por sua vez, a
um saber adquirido durante o período de formação intelectual dos professores, a
qual pode ser enriquecido no decorrer de reciclagens, mas não tem
possibilidades, por causa das urgências da profissão, de ser penetrada por
novos conceitos e por novos métodos da ciência que se venham a constituir.
Desde modo, o pedagogo permanece preso, na sua função, a estrutura mentais,
linguística e lógicas herdadas dos seus mestres. A verdade dos seus
conhecimentos, administrativamente
garantida pelos seus diplomas, e praticamente confirmada pela situação
de professor — a qual lhe confere uma superioridade, no plano dos
conhecimentos, sobre os alunos — não encontra, de fato, fundamento "objetivo" senão no manual
escolar, ou num saber adquirido no passado» (LEPAPE, 1975, p. 99-100).
«O Emílio não é um discurso universal a
respeito da infância ou sobre a natureza humana. Antes é um tratado de educação
em que preponderam duas preocupações básicas, a saber: é imperativo antes de
tudo formar o cidadão no respeito de uma igualdade democrática definida pelo Contrato Social; e, a seguir fazer do
discurso pedagógico, um discurso verdadeiro, isso é, que já não se encontre em
evidente desacordo com a teoria da ciência que surge no século XVIII» (LEPAPE, 1975, p. 119). «Neste
sentido, o Emílio, por exemplo,
aparece, na obra de Rousseau, como um complemento indispensável do Contrato social. O objetivo da sua
pedagogia é a formação do cidadão
soberano e do sujeito ao mesmo tempo,
o qual se destina a obedecer às leis da cidade, mas também a dar provas de
iniciativa e de responsabilidade» (LEPAPE,
1975, p. 136).
«Com
efeito, as linguagens da educação são muito mais extensas do que a linguagem da
escola. A linguagem pedagógica não se limita ao pedantismo escolar: estende-se
a todo um conjunto de sinais, que excedem largamente as palavras dos livros» (LEPAPE, 1975, p. 120).
«De tal
sorte que, se a racionalidade do objetivo da educação deve ser definida como
política de educação duma dada sociedade (não somente pelo sistema de ensino,
mas pelo conjunto dos valores educativos), a relação do professor e do aluno
não se vive em função dessa política de educação, mas como uma relação
psicológica de amor e de ódio, de autoridade e de obediência, de amizade e de
tolerância, de entusiasmo ou de tédio, de confiança ou de desconfiança», [mesmo porque] «o comportamento do
professor é definido formalmente pela instituição de ensino, que fixa o
conteúdo do ensino (os programas), o estilo de autoridade (as instruções
oficiais e a organização da disciplina) explicita ou implicitamente» (LEPAPE, 1975, p. 145).
«Uma
mudança de métodos e de programas aparece, em geral, como resposta a uma
necessidade e inscreve-se numa reforma destinada a reajustar, a atualizar a
escolar, que por si própria parece ter uma tendência para o imobilismo e para a
repetição» (LEPAPE, 1975, p. 147).
«Mas ao
mesmo tempo, a escola, enquanto instituição do Estado reveste pela sua natureza
um caráter de universalidade, não só porque deve receber toda a gente, ao menos
no plano teórico da igualdade do direito à instrução, mas também porque tem por
finalidade transmitir o patrimônio cultural universal. Nessas condições, a
escola não transmite apenas valores éticos, mas também científicos, que fazem
parte da herança cultural» (LEPAPE,
1975, p. 151).
«Sabemos
também que a ciência não pertence ao povo, mas que faz parte da herança dos
ricos. Estamos cientes, igualmente de que os "pobres" da escola não recebem em herança senão a sombra da ciência» (LEPAPE, 1975, p. 153).
«A
ideologia carismática da pedagogia universitária faz aparecer esta pedagogia
como uma defesa dos privilégios, de tal sorte que a ciência (que não poderia se
considerar por si mesma burguesa) é ensinada através duma linguagem que, no fim
de contas, só se dirige aos burgueses; e o caráter científico do saber ensinado
apenas serve, afinal, para instalar estudantes e professores no sono da boa
consciência. […] A ciência é, afinal, o dom do céu (ou do mérito) que justifica
o privilégio social» (LEPAPE, 1975, p.
162-163).
Há, por
assim dizer, o mal-estar da pedagogia, pois «os conteúdos do ensino
universitário, por mais científicos que sejam não podem deixar de estar
situados, enquanto conteúdos pedagógicos, num setor do ensino sociologicamente
determinado, muito estreitamente ligados à ética da universidade burguesa» (LEPAPE, 1975, p. 166).
«A
educação, que deve reproduzir os valores humanos de uma sociedade, mesmo
respondendo às suas necessidades econômicas, organiza-se segundo uma teoria da
infância e das relações da criança e do adulto, a qual se modela consoante os
valores culturais duma época» (LEPAPE,
1975, p. 170).
«Desse
modo, a autoridade legitimadora da escola pode redobrar as desigualdades
sociais, porque as classes mais favorecidas, demasiado conscientes do seu
destino, e demasiado inconscientes das vias pelas quais o mesmo se realiza,
contribuem com isso para a realização» (BOURDIEU
& PASSERON, 1964 apud LEPAPE, 1975, p. 182).
«Todas
as pessoas falam; mas as que pertencem a meios socioculturalmente favorecidos,
dominam melhor a linguagem do que as outras, justamente em razão da influência
do meio» (LEPAPE, 1975, p. 197).
«A
necessidade de brincar é isso que nos vai permitir reconciliar a escola com a
vida, fornecer ao aluno esses móbiles de ação que se pensava ser impossíveis de
encontrar numa sala de aula. Qualquer que seja a tarefa que queirais mandar
fazer a uma criança, se encontrastes um meio de lha apresentar, de maneira que
ela perceba como um jogo, essa tarefa será capaz de libertar, em proveito da
criança, tesouros de energia. O jogo é duma importância capital para a realização
da escola ativa» (CLAPARÈDE, 1946 apud
LEPAPE, 1975, p. 218).
«Nessas
condições, o pedagogo, ocupado, em nome da ciência ou em nome d amoral, em
reformas organizacionais no interior da escola, fica prisioneiro da sua própria
experiência, mantendo-se num estado mais ou menos consciente de "cegueira
institucional", e tende a erigir
em absoluto a própria ideia de reforma pedagógica» (LEPAPE, 1975, p. 223).
«Quando
os diálogos, ou "discussões",
ou "lições" começam e acabam com a campainha, que pontua as nossas
horas de presença física e as nossas horas de discursos; quando nos
"desenvolvemos", como plátano do pátio, entre quatro paredes de
tijolos, apenas permeáveis ao ruído dos caminhões, e quando se propaga a
psicose do exame final, põe-se a questão de saber se, nalgum feliz dia,
poderemos encontrar, nestes velhos casarões, alguma pessoa "humana"» (LEPAPE, 1975, p. 226).
«Tenho
pouca simpatia pela ideia bastante generalizada de que o homem é
fundamentalmente irracional e que seus instintos, se não forem controlados,
conduzirão à sua própria destruição e à destruição dos outros» (ROGERS, 1967 apud LEPAPE, 1975, p. 228).
«Georges
Lapassade chama a "burocracia
pedagógica", isso é, o conjunto
da Administração, das instruções oficiais, dos programas, dos regulamentos que
situam o trabalhador do ensino debaixo da estrutura hierárquica duma autoridade
repressiva» (LEPAPE, 1975, p. 235).
A
modernidade exige um novo homem. «Ora é estranho que este humanismo seja
reinvidicado com força por todos os especialistas do management e da gestão das empresas: a evolução da economia de
mercado, o crescimento do consumo e as transformações técnicas da indústria
moderna, complicando a adaptação dos homens a um trabalho que ultrapassa os
limites duma especialização elementar e adquirida de uma vez para sempre,
originaram um homo novus; moldado pela cibernética e pela
felicidade personalizada, este homem novo é otimista, reciclado, eficaz e cheio
de iniciativa. Numa palavra livre» (LEPAPE,
1975, p. 238-239).
«É a
diretividade que dá origem à agressividade, é a disciplina que cria a
indisciplina» (LEPAPE, 1975, p. 227).
«Na
idade da eletrônica e da cibernética, a civilização é mais do que nunca
mecânica, mas começa a ensinar à maquina a copiar a inteligência do homem e,
nisso, ela já não é completamente mecanicista. Resta-lhe reensinar o homem a ser
ele próprio» (DE PERETTI, 1967 apud
LEPAPE, 1975, p. 239).
«Chega-se
a esquecer o uso industrial da psicologia, que é uma arma eficaz de seleção e
de integração e que contribui para tudo menos para a libertação do indivíduo» (LEPAPE, 1975, p. 240).
«Esquecem-se,
assim, demasiado facilmente as dificuldades socioculturais dos alunos, o
absurdo duma certeza formação intelectual dos professores que faz com que
ignorantes ensinem a ignorantes, e a questão da eficácia dos métodos
pedagógicos» (LEPAPE, 1975, p. 244).
«A
finalidade primária da educação é cultural. E a questão pedagógica começa com a
da transmissão dum saber que tem em vista a socialização do indivíduo e a sua
preparação para a profissão. As reações individuais não podem ser isoladas em
relações existenciais porque, na relação pedagógica, as reações individuais são
condicionadas e fabricadas pelo modo de transmissão da sua própria cultura por
uma sociedade» (LEPAPE, 1975, p. 244).
«A
tarefa educativa exige um concurso de forças: a equipe administrativa, as
equipes de "vigilância", os inspetores, o próprio
ministério e seus representantes, cooperam com os professores, com vista a
realizarem o seu objetivo comum, que é a educação e a instrução dos alunos» (LEPAPE, 1975, p. 246).
«Como
se a não-diretividade trouxesse em si todos os germes anárquicos (no sentido de
destruidores) que abalariam os alicerces do nosso pobre mundo! Como se o
desprezo, por parte de alguns, do seu poder, fosse a destruição de todo o
poder» (LEPAPE, 1975, p. 249)!
Dificuldade
lembrada por Lapassade: «Como conciliar a renúncia à diretividade com a
necessidade de transmitir à criança os conhecimentos de base (escrita, leitura,
aritmética) que permitem a sua participação na cultura? Como conciliar
não-diretividade e escolarização? [...] A escolarização é transmissão: ela
parte da ignorância da criança, para transmitir-lhe instrumentos culturais.
[...] O papel do pedagogo é, em princípio, duplo: instruir e educar. É a
instrução que parece necessariamente diretiva; mas nem por isso se disse que a
educação seja transmissão. Pode-se ter em vista transmitir os valores; pode-se
ensinar sem se julgar obrigado a ensinar uma sabedoria» (LAPASSADE, 1963 apud LEPAPE, 1975, p. 250-251).
«Mas a
pedagogia libertaria sustenta que a desordem não é uma negação: produz o efeito
duma "descarga", duma "desintoxicação", necessárias ao
exercício da liberdade. A pedagogia libertaria dá um sentido existencial à
revolta» (LEPAPE, 1975, p. 260).
«A
escolar é impotente para mudar a sociedade, ou para preparar, como pretende, o
mundo do amanhã» (LEPAPE, 1975, p.
267).
«Uma
liberalização pedagógica pode aparecer como perigosa, porque parece dever
produzir, num prazo mais ou menos longo,
nos alunos formados na autonomia ou na autogestão da sua aprendizagem, a recusa
mais ou menos violenta da estrutura hierárquica das relações de trabalho e das
relações sociais» (LEPAPE, 1975, p.
289).
«Ainda
que a escola transmita mais equitativamente a cultura, ela tem por efeito
bloquear, inibir o desenvolvimento da personalidade infantil» (LEPAPE, 1975, p. 296).
«A
escola destrói as próprias bases, sem as quais nenhuma personalidade adulta
pode construir-se [...] Àquele, a quem se proíbe ser ele próprio e crescer,
nada lhe resta senão sonhar» (MENDEL, 1969 apud LEPAPE, 1975, p. 297).
«A
maior parte das pedagogias novas não são mais do que o reflexo dos arranjos
éticos da "modernização",
do "progresso", dos direitos e das responsabilidades do cidadão das
repúblicas modernas: por isso elas podem ser facilmente "digeridas"
pelas instituições e institucionalizar-se no molde de reformas sucessivas» (LEPAPE, 1975, p. 308).
Colocando-nos,
por exemplo, sob a perspectiva de Baudelot e de Estabelet, podemos afirmar «que
a escola corresponde perfeitamente ao que o sistema político atual espera dela,
pois que, na sua rede de ação pobre, ela não tem outra coisas a difundir além
do respeito pela cultura e o contentar-se com sua sorte, e na rede de ação
rica, transmite adequadamente a cultura burguesa aos herdeiros da burguesia» (LEPAPE, 1975, p. 309).
«Vede —
explicava-nos o proprietário duma criação moderna de frangos — tudo está
previsto, tudo é metódico e científico. A nossa criação — no fim das contas, é
um pouco como uma escola — foi dividida em classes. Estes pintinhos arrepiados
que acabam de chegar, saídos dos ovos da chocadeira, estão neste primeiro
compartimento aquecido e superaquecido. À medida que vão crescendo, desdobramos
as gaiolas; mudamo-las de compartimento. Anotamos muito particularmente a
alimentação que é adaptada a cada idade, e que é ci-en-ti-fi-ca-men-te
estudada, com vitaminas que custam 100.000 o grama! Num tempo record, os frangos crescem e engordam.
Ouvi-os, nestes últimos compartimentos, brigando e gritando como crianças no
recreio, num campo demasiado pequeno para suas brincadeiras! — E se os pusessem
em liberdade? Diz um rapazinho oprimido por esta atmosfera de campo de
concentração para as galinhas. — Nenhum perigo existiria: se, por acaso eles
abandonassem a sua gaiola, não poderiam nem andar, nem encontrar alimento. Estão
feitos para ficar acolá no seu lugar, a debicar o alimento e a esperar o cutelo
do sangrador... Lá em baixo, à volta das quintas, galinhas e galos em
liberdade, tagarelavam pacificamente, passeando debaixo das oliveiras. Mais
longe, na orla do bosque de pinheiros, uma perdiz chama os filhotes para pô-los
em segurança, antes do crepúsculo. Não tirarei conclusões. Mas, pobre de mim!
Eu penso que há ainda escolas preparadas e ordenadas cientificamente segundo os
princípios da criação moderna de frangos, e que os alunos que dela saem, também
eles se arriscam a não saber, nem a andar no mundo, nem procurar e conquistar o
seu alimento. Esperarão, também eles, o alimento e o cutelo dos sangradores...»
(FREINET, 1967 apud LEPAPE, 1975, p.
313-314).
«Todas
as éticas pedagógicas modernistas partem duma valorização do saber, portanto,
da ideia implícita da superioridade moral do trabalho intelectual. Ora, donde
vem a ideia, senão da própria escola, que não faz, nesse caso, senão traduzir a
divisão do trabalho» (LEPAPE, 1975, p.
312-313)? -- «De modo nenhum é evidente que o trabalho intelectual seja
particularmente libertador: não somente vemos todas as reivindicações
libertárias formularem-se contra o
saber, mas ainda a comunicação pedagógica do saber, que é profundamente
inculcação do respeito e transmissão de valores, representa um fator importante
de condicionamento» (LEPAPE, 1975, p.
313).
Também
é bom que se diga que «se a escola atirou o trabalho para a classe das coisas
desprezíveis ou anexas, se reserva os tempos livres do estudo para aqueles que
não "trabalham", se reduziu a
delicadeza que consentiu ao trabalho, à fabricação folclórica de cestos de vime
e à confecção de roupinhas, é porque queria preservar as suas elites da nódoa
manual. Pelo contrário, uma pedagogia "popular" deve reconhecer o
trabalho como único criador de valor e escolhê-lo como centro» (LEPAPE, 1975, p. 351).
«A
finalidade primária da educação é cultural. E a questão pedagógica começa com a
da transmissão dum saber que tem em vista a socialização do indivíduo e a sua
preparação para a profissão. As reações individuais não podem ser isoladas em
relações existenciais porque, na relação pedagógica, as reações individuais são
condicionadas e fabricadas pelo modo de transmissão da sua própria cultura por
uma sociedade» (LEPAPE, 1975, p. 244).
«[…] A
escola destrói as próprias bases, sem as quais nenhuma personalidade adulta
pode construir-se […] Àquele, a quem se proíbe ser ele próprio e crescer, nada
lhe resta senão sonhar» (MENDEL, 1969,
p. 160 apud LEPAPE, 1975, p. 297). In: MENDEL, Gérard. La révolte contre le père. Payot, Paris, 1969.Reconhece-se o
conservadorismo ora estabelecido em todas as instituições do sistema de
educação, «deste modo, o primeiro trabalho pedagógico consiste em combater
preconceitos sobre a ciência e a cultura em nome da verdade e da razão» (LEPAPE, 1975, p. 310) por meio da crítica.
«Chega-se
a esquecer o uso industrial da psicologia, que é uma arma eficaz de seleção e
de integração e que contribui para tudo menos para a libertação do indivíduo» (LEPAPE, 1975, p. 240).
Fernand
Deligny (1970), que recusa qualquer método a
priori, nos diz em «Le groupe et la
demande», In Les vagabonds efficacies
et autres récits, Maspéro, Paris,
1970, (p. 159-161), ao praticar uma pedagogia que parte da revolta aberta ou
latente dos deliquentes e psicóticos de La
Grande Cordée, como único começo possível duma intervenção educativa, sua
«experiência mostra que o pedido de liberdade não é espontâneo: é revelado pela
pedagogia libertária, que pode, por contraste, fazer tomar consciência do
caráter repressivo de imposições que são evidentemente repressivas, como o
asilo ou a prisão» (LEPAPE, 1975, p.
266), [Como em Foucault?]. No entanto na escola ora estabelecida os alunos que
a frequentam portam-se em conformidade com as normas estabelecidas, qual seja,
de uma forma puramente verbal. De toda sorte, importa reconhecer que «a
escola tem em suas mãos meios de repreensão poderosos (desde a má nota, à
exclusão pura e simples, passando por toda a espécie de castigos) para limitar
as revoltas. De tal sorte que parece predominar na escola mais o pedido de "disciplina" do que o pedido de
liberdade, graças ao puritanismo educativo maioritário dos professores e aos
princípios educativos e escolares maioritários dos pais (que valorizam o
sucesso e a disciplina escolares, nos quais vêem o prolongamento verdadeiro da
educação familiar)» (LEPAPE, 1975, p.
266-267).
«Por
outro lado já se definiu a alienação social por uma fórmula: "o sujeito está
sempre noutro lugar". O homem é
manipulado por uma grande mecânica: "farás
tal trabalho", "é preciso ter visto…,
é preciso ser assim… é preciso ter… é preciso"». Nós encontramos o impagável estilo
pedagógico […] Aqueles que pretendem formar, não "seres para" mas "seres", provocam um
legítimo escândalo: são tão perigosos para a ordem social como para o
equilíbrio afetivo dos indivíduos. Seremos utopistas? Não o sabemos. A nossa
oferta responde a um outro pedido que ainda não se exprime — que se exprimirá —
talvez (VASQUEZ e OURY, 1971, p. 269
apud LEPAPE, 1975, p. 319). In: VASQUEZ, Aida e OURY, Fernand. Vers
une pédagogie institutionalle, Maspéro, Paris, 1971.
«A
escola teve sempre tendência para considerar o corpo e os desejos como maus;
visão maniqueísta da cultura, que reforça o seu caráter opressivo e
mistificador: o respeito pela cultura encontra a sua origem na escola que quase
não dá lugar aos prazeres temporais, na ideia do pecado original — a profissão
do ensino torna-se então uma espécie de demonstração ascética (que se traduz
através de todas as formas de castração vestimentária, linguística, moral) da dificuldade
de aceder ao saber e ao mesmo tempo, a mentira duma liberdade que só se adquire
ao nível do espírito, mentira bastante desmistificadora nas classes dominantes
para que se possam a ela acomodar mas que contribui para esmagar os outros» (LEPAPE, 1975, p. 341).
Há que
se ter uma tomada de posição no sentido de recusar o paternalismo bem como o
desejo de domínio sobre os educados e da mesma maneira o educador tem de
libertar-se de seus a priori éticos e
políticos para, enfim, «[...] reencontrar a realidade das coisas, escondida,
deformada sob a ilusão das palavras, das concepções e dos sistemas» (FREINET apud LEPAPE, 1975, p. 343).
«O
sacerdote pode ser absolutamente sincero, o homem de ciência, convencido de que
serve a humanidade com suas laboriosas descobertas, o filósofo, que aprofunda
cada vez mais o conhecimento do homem, o educador, que recebeu, adquiriu e
dispensa uma cultura elevada, humana e profundamente útil à elevação social.
Apesar de tudo, tanto uns como outros podem enganar-se, não no pormenor, nem na
forma por assim dizer primária da sua tarefa, mas na própria concepção, na
origem e na direção superior desta cultura de que eles se julgam os
computadores e os mestres e que afinal não é mais do que uma máquina de
exploração ao serviço das forças do mal que muitas vezes dirigem as reações» (FREINAT, 1967, p. 65 apud LEPAPE, 1975, p.
342). [In: FREINAT, Celestin. L’éducation
du travail, Delachaux et, Niestlé, Neuchâtel, 1967] A pedagogia
tradicional na qual «as instituições se impõem como um sistema que não poderia
ser posto em causa, como um suporte julgado indispensável do ato pedagógico» (LAPASSADE, 1970, p. 223 apud LEPAPE, 1975,
p. 361).
«Os
pais de família outrora, como ainda hoje, não diziam aos seus filhos: Estuda,
porque assim tornar-te-ás melhor; será um filho mais dedicado e um cidadão
fiel… mas unicamente: estuda, meu filho, deixa-te penetrar por esta ciência que
fará de ti um Senhor; sempre será menos duro, para comeres o teu pão, do que a
cavar a terra. Hoje, é ainda mais simples: a instrução apresenta-se aos pais
como uma necessidade técnica e social» (FREINAT,
1967, p. 75 apud LEPAPE, 1975, p. 344).
«Este
nível que a sociologia da educação pode esclarecer o pedagogo: a escola, tal
qual é, tende a reproduzir as relações sociais, subtraindo-se, sem resolver o
problema das desigualdades socioculturais. Pode-se dizer que se a função da
escola é a reprodução dessas desigualdades, essa função é quase racionalmente
desempenhada pela escola atual na qual o sistema dos exames, o sistema da
seleção e da orientação e, no seu conjunto, a linguagem pedagógica, contribuem
mais para transmitir uma herança do que para difundir uma cultura» (LEPAPE, 1975, p. 358).
«A
pedagogia tradicional contribui para manter o conservantismo social e político,
mediante todo o sistema de valores veiculado menos pelos conteúdos do que pela
linguagem pedagógica e pela relação com o saber que o mesmo sistema pressupõe.
Pela sua dependência dum certo sistema de ensino, toda a pedagogia (que, a não
ser que se exerça utopicamente, não pode deixar de ter em conta a seleção dos
alunos, o sistema de exames, as passagens de classe e a estrutura pedagógica do
estabelecimento no seu conjunto) terá de ser cúmplice deste conservantismo» (LEPAPE, 1975, p. 370).
Lapassade
e Lourau elegem a intervenção direta sobre o plano político e assinalam que «a
pedagogia institucional pretende para si uma estratégia política (a antipedagogia), não no sentido em que um
pedagogo institucional "faria política na
aula", mas no sentido em
que a autogestão pedagógica é um projeto abertamente político; a autogestão não
diz respeito, como alguns a concebem, à simples personalização das aquisições,
mas à própria organização do grupo. A autogestão pedagógica é uma luta direta
(ainda que sob a forma de conluio) contra o poder, do qual se pensou, durante
algum tempo, que era radicalmente incapaz de "recuperar" este
projeto abertamente revolucionário (LEPADE,1975, p. 371): «o critério fundamental (segundo o qual o sistema administrativo é burocrático)
é a resistência à autogestão pedagógica, isto é, a educação a cargo dos alunos»
(LAPASSADE, p. 209 apud LEPAPE, 1975,
p. 371).
«[…] A
escola destrói as próprias bases, sem as quais nenhuma personalidade adulta
pode construir-se […] Àquele, a quem se proíbe ser ele próprio e crescer, nada
lhe resta senão sonhar» (MENDEL, 1969,
p. 160 apud LEPAPE, 1975, p. 297).
«O
problema pedagógico não pode, portanto, pôr-se ao nível das relações
interindividuais, nem das relações pessoais do professor e do aluno; não pode,
de igual modo, pôr-se em termos de afetividade já que o grupo e, no sentido
original do termo, instituidor: o problema pedagógico não é, portanto, senão um
problema político» (LEPAPE, 1975, p.
365), no qual «a dependência do sistema de ensino e da pedagogia implícita que nele se perpetua através duma
espécie de rotina, relativamente à estrutura das relações de classe» (LEPAPE, 1975, p. 369-370).
«A
pedagogia tradicional contribui para manter o conservantismo social e político,
mediante todo o sistema de valores veiculado menos pelos conteúdos do que pela
linguagem pedagógica e pela relação com o saber que o mesmo sistema pressupõe.
Pela sua dependência dum certo sistema de ensino, toda a pedagogia (que, a não
ser que se exerça utopicamente, não pode deixar de ter em conta a seleção dos
alunos, o sistema de exames, as passagens de classe e a estrutura pedagógica do
estabelecimento no seu conjunto) terá de ser cúmplice deste conservantismo» (LEPAPE, 1975, p. 370).
Lapassade
e Lourau elegem a intervenção direta sobre o plano político e assinalam que «a
pedagogia institucional pretende para si uma estratégia política (a antipedagogia), não no sentido em que um
pedagogo institucional "faria política na
aula", mas no sentido em
que a autogestão pedagógica é um projeto abertamente político; a autogestão não
diz respeito, como alguns a concebem, à simples personalização das aquisições
mas à própria organização do grupo. A autogestão pedagógica é uma luta direta
(ainda que sob a forma de conluio) contra o poder, do qual se pensou, durante
algum tempo, que era radicalmente incapaz de "recuperar" este
projeto abertamente revolucionário (LEPADE,1975, p. 371): «o critério fundamental (segundo o qual o sistema administrativo é
burocrático) é a resistência à autogestão pedagógica, isto é, a educação a
cargo dos alunos» (LAPASSADE, p.
209 apud LEPAPE, 1975, p. 371). A autogestão é a única solução "revolucionária" dum poder, cujo conservadorismo se mantém pela burocracia; não sendo a
burocracia pedagógica senão um caso particular da burocracia em geral, ou seja,
"tudo o que se opõe à
autogestão da produção e da vida social, isto é, a passagem da propriedade
privada da organização, para a propriedade coletiva". Nessas condições, a pedagogia é
diretamente, abertamente política; e a sua verdade é a organização e a
instituição»
(LEPAPE, 1975, p. 370-371).
«O modo
de comunicação pedagógica, que se justifica sempre em nome da ciência ou da
cultura, é de fato o veículo dos valores da burguesia, que se exprime pela ideologia
do dom, pelo jogo do sério, pelo aluno brilhante, e por todas as ambiguidades
pedagógicas do ensino de "elite"» (LEPAPE, 1975, p. 384).
«A
única pedagogia do futuro que hoje possamos ter em vista, não pode nascer senão
da desordem existente, onde se enfrentam, na mais perfeita confusão, um
conservantismo cada vez mais desagregado, o idealismo maia arrojado e uma forma
terrorista do cientismo, que rivalizam em ineficiência, porque nem uns, nem
outros encontram uma solicitação social suficiente a que recorrer. Como se as
contradições sociais tivessem anunciado o fim das pedagogias mentirosas, sem
poderem produzir a pedagogia explícita» (LEPAPE,
1975, p. 390-392).
«O
feudalismo teve a sua escola feudal; a Igreja teve a sua educação especial; o
capitalismo originou uma escola bastarda, com o seu palavrório humanista a
esconder a sua timidez social e a sua imobilidade técnica» (FREINET apud LEPAPE, 1975, p.392).
«Separando
a formação intelectual da evolução das técnicas de comunicação, permanecendo
afastada do mundo trabalho, ela dá crédito ao respeito do "especialista" e da inteligência abstrata, em nome da
cultura geral. O conservantismo social, em nome da cultura geral, à qual está
ligado politicamente»
(LEPAPE, 1975, p. 392). «Desintelectualizar
a linguagem pedagógica não consiste em substituir o trabalho escolar pelo jogo
ou pelo divertimento, mas em deixar de fazer da palavra do professor uma proeza
de alto voo, um modelo inacessível e respeitável. E, para isso, não basta que o
professor revele retoricamente as suas receitas» (LEPAPE, 1975, p.392-393).