PATARRA,
Ivo. O chefe. 2010. Disponível em: http://www.escandalodomensalao.com.br/ 457p.
Luiz Inácio Lula da Silva: O chefe
Obra de Ivo Patarra, o livro «O
chefe» disponibilizado na Internet <http://www.escandalodomensalao.com.br/>
retrata a ação de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente
Lula, na função de chefe da República Federativa do Brasil. São quatrocentas e
cinqueta e sete páginas distribuídas em vinte e um capítulos através dos quais
o leitor tomará conhecimento de como, tendo por chefe o presidente do Brasil, «os
denunciados operacionalizaram desvio de recursos públicos, concessões de
benefícios indevidos a particulares em troca de dinheiro e compra de apoio
político, condutas que caracterizam os crimes de quadrilha, peculato, lavagem
de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção e evasão de divisas» [Antonio
Fernando Barros e Silva, Procurador-Geral da República].
Capítulo 1
- ‘O governo Lula é o mais corrupto de nossa história’
Qual a justificativa para o presidente
da República nomear como ministro e integrante de seu primeiro escalão de
auxiliares o homem que publicara, num dos jornais mais importantes do País, que
ele, o presidente, era o chefe do governo “mais corrupto de nossa história”?
Pois Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula, nomeou o filósofo Roberto Mangabeira
Unger no primeiro semestre de seu segundo mandato, em 2007, ministro da Secretaria
de Planejamento de Longo Prazo, especialmente constituída para abrigá-lo. E não
adiantou nem o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro)
inviabilizá-la tempos depois, durante uma rebelião para obter mais cargos no
governo e proteção para o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o então presidente
do Senado, acusado de corrupção. Apesar de o PMDB derrotar a Medida Provisória
que criara o posto para Roberto Mangabeira Unger, Lula deu um jeito na
situação, nomeando-o novamente, desta vez como ministro extraordinário de
Assuntos Estratégicos. A posição do detrator estava garantida.
Capítulo 2
– Montanhas de dinheiro: em pacotes, malas,
carros-fortes e até em cuecas
Da mesma forma que não se pode deixar
de reconhecer os avanços das políticas sociais responsáveis por tirar milhões
de brasileiros da pobreza nos dois governos do presidente Lula, não há como
minimizar o expressivo crescimento econômico e o incremento da inserção do
Brasil no cenário mundial, também registrados no período. A era Lula significou,
contudo, a continuidade do jeito criminoso de se fazer política no Brasil. Com
a ressalva das honrosas exceções, o grande objetivo das ações dos
representantes do povo manteve-se o mesmo: usar cargos públicos para participar
de esquemas cuja finalidade primordial era desviar o dinheiro dos
contribuintes. Obter comissões e caixinhas. Propinas. Para boa parte dos
políticos brasileiros, independentemente da coloração partidária, a atividade
política ainda é o caminho fácil do enriquecimento. A notícia em destaque nas
primeiras páginas dos jornais, no auge do escândalo do mensalão, chocou o País:
uma bolada de R$ 200 mil, acondicionada numa maleta, e outros US$ 100 mil
escondidos na cueca, tudo transportado pelo assessor de um deputado do PT
(Partido dos Trabalhadores, a legenda fundada pelo presidente Lula), preso no
aeroporto de Congonhas, em São Paulo. José Adalberto Vieira da Silva trabalhava
para o deputado José Nobre Guimarães (PTCE), irmão do então presidente nacional
do PT, José Genoino (SP). Rápido, José Adalberto apagou a memória do celular.
Disse ser agricultor. O dinheiro em seu poder, procurou justificar, era
resultado do comércio de verduras. Logo foi desmascarado. Confessou quem era.
Detido pela polícia, usou o paletó para cobrir o rosto e se esconder dos
fotógrafos. Outra imagem que marcou os anos Lula é a da montanha de dinheiro
apreendida pela Polícia Federal no hotel Ibis Congonhas, em São Paulo, pouco
antes das eleições nas quais Lula conquistaria seu segundo mandato, em 2006. O
R$ 1,7 milhão em cédulas de reais e dólares seriam usados pelo PT para comprar
um dossiê contra políticos da oposição. A Polícia Federal acusou Hamilton
Lacerda, coordenador da campanha do senador Aloizio Mercadante (PT-SP),
candidato petista a governador de São Paulo naquele ano, de ter levado o
dinheiro da corrupção ao hotel. Ele foi filmado por câmeras de segurança no
saguão do Ibis Congonhas, um dia antes da ação policial. Portava uma mala e se
mostrava tenso. Nas mãos cerradas de Hamilton Lacerda, a mala preta de viagem
com a alça em volta do ombro, uma garantia a mais de que ninguém roubaria a
preciosa carga no lobby do hotel. Ele pegou o elevador e entrou num
quarto. Saiu sem a mala. Na madrugada seguinte, voltou ao Ibis. Desta vez com
uma maleta e uma sacola plástica. Tudo filmado. Foi embora depois, sem a
sacola. A explicação da Polícia Federal: o R$ 1,7 milhão não coube na mala que
Hamilton Lacerda trouxera na véspera, e ele retornou com mais dinheiro. Quando
o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou o escândalo do mensalão,
apresentou ao País o empresário Marcos Valério, dono de agências de
publicidade. Roberto Jefferson era presidente nacional do PTB (Partido
Trabalhista Brasileiro), partido da base aliada de Lula. Confessou que Marcos
Valério entregou-lhe R$ 4 milhões em 2004. Roberto Jefferson descreveu Marcos
Valério e como recebeu a propina: - É carequinha, falante e fala em dinheiro
como se fosse assim uma coisa que caísse do céu. Primeiro foram R$ 2,2 milhões.
Em duas malas enormes, notas de R$ 50 e R$ 100, etiquetadas por Banco Rural e
Banco do Brasil. E três dias depois, (...) ele volta com R$ 1,8 milhão. Notas
de R$ 50 e R$ 100, Banco Rural e Banco do Brasil e a promessa de outras quatro
parcelas iguais.
Capítulo 3
– Lula, o chefe
O Palácio do Planalto bem que tentou
abafar, mas desde o início o presidente Lula esteve no centro da crise
política. O escândalo do mensalão eclodiu em 14 de maio de 2005, com a
divulgação de uma gravação clandestina pela revista Veja. Maurício Marinho,
funcionário dos Correios, pôs no bolso do paletó R$ 3 mil. Propina. De cara, a
evidente vinculação do PTB ao esquema de corrupção. Os Correios eram área de
influência do partido, uma das agremiações integrantes da base aliada do
Governo Federal, capitaneada pelo PT, a legenda de Lula. Enquanto os
telejornais escancaravam a fita com as imagens de Maurício Marinho enfiando o
dinheiro no bolso, Lula apressava-se em defender o deputado Roberto Jefferson
(RJ), presidente nacional do PTB. Palavras de Lula, alto e bom som, em 17 de
maio de 2005: - Precisamos ter solidariedade com os parceiros, não se pode
condenar ninguém por antecipação. Lula se pronunciou durante almoço com
aliados. O presidente insistiu: - Parceria é parceria. Tem de ter
solidariedade. E arrematou, para não deixar dúvidas: - Essa é a hora em que
Roberto Jefferson vai saber quem é amigo dele e quem não é. Lula estava
preocupado. Recorda-se que, alguns meses antes, dissera a seguinte frase
endereçada a Roberto Jefferson, em meio ao noticiário que especulava sobre um
pagamento de R$ 10 milhões do PT ao PTB, com vistas a “comprar” o apoio dos
trabalhistas às eleições municipais de 2004: - Eu te daria um cheque em branco e dormiria tranquilo. A gravação
de Maurício Marinho trouxe outras complicações. Como se sabe, ele desandou a
conversar com os interlocutores que o subornavam, sem saber que estava sendo
gravado. O funcionário dos Correios mencionou uma empresa, a Novadata,
pertencente a Mauro Dutra, o “Maurinho”, amigo de Lula havia mais de 20 anos. A
Novadata fornecia computadores para o Governo Federal. Apenas nos dois anos e
meio da primeira administração Lula, faturou R$ 284,5 milhões, sendo R$ 110
milhões em contratos com a Caixa Econômica Federal, R$ 100 milhões em contratos
de locação de 27.500 computadores para a Petrobras e R$ 16,2 milhões em vendas
aos Correios. Aqui uma pausa, para registrar: Lula passou o réveillon de
2001 na mansão de Mauro Dutra em Búzios, no badalado litoral do Rio. O mesmo
Maurinho que fez contribuições ao PT, arrecadou dinheiro para o partido e
emprestou avião a Lula. Na fita, Maurício Marinho fala de “acertos” em
licitações. Descreve manobra da Novadata para superfaturar computadores. A
empresa tentou fazer o preço de cada computador vendido ao governo dar um salto
injustificado, de R$ 3.700 para R$ 6.000. Logo nos primeiros dias da crise,
Lula trabalhou abertamente contra a ideia de se criar uma CPI para investigar a
corrupção nos Correios. Foi decisão de governo: a administração federal iria
liberar dinheiro de emendas ao Orçamento a todos os parlamentares que votassem
contra a CPI. Faltou combinar com os jornais. Roberto Jefferson foi destaque no
noticiário político. As incursões do presidente do PTB nos subterrâneos de
Brasília revelaram várias suspeitas de corrupção. Lula achou por bem se afastar
do aliado, mas continuou a trabalhar contra a instalação da CPI. Roberto
Jefferson estava cada vez mais isolado. Os estrategistas do presidente não
imaginaram que o desgaste do político fluminense o levasse a uma reação
explosiva.
Capítulo 4
– A história do ‘acordo criminoso’ da chapa Lula/José
Alencar em 2002
A revelação dos detalhes da negociação
entre o Partido dos Trabalhadores e o Partido Liberal para acertar a chapa
Lula/José Alencar que disputaria a Presidência da República em 2002 constituiu
um dos episódios mais graves da era Lula. Não teve a repercussão merecida. A
verdade é que não houve entendimento político em torno de propostas para o
País, nem tampouco o debate sobre um programa de governo. Tratou-se de
dinheiro, apenas. De quanto o PT repassaria para o PL, a fim de obter apoio do
partido ao qual era filiado o homem que Lula desejava como seu vice-presidente.
Ao denunciar o escândalo do mensalão, o procurador-geral da República, Antonio
Fernando de Souza, qualificou a aliança eleitoral entre PT e PL de “acordo
criminoso”. Ele acusou o deputado cassado José Dirceu (PT-SP) e os presidentes
nacionais das duas legendas, deputado José Genoino (PT-SP) e o na época
ex-deputado Valdemar Costa Neto (PLSP), que havia renunciado para se livrar de
eventual cassação do mandato por quebra de decoro. Mas deixou de fora Lula
(PT-SP) e José Alencar (PL-MG). Trecho da denúncia encaminhada ao STF (Supremo
Tribunal Federal), na qual o procurador-geral abordou as operações de lavagem
de dinheiro com as quais o PT pagou o PL: “De fato, consciente de que os
montantes eram oriundos de organização criminosa voltada para o cometimento de
crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional,
os denunciados articularam mecanismo para dissimular a origem, natureza e
destino dos valores auferidos.”A história do acordo PT/PL quase não repercutiu
porque foi revelada num dos momentos mais graves do escândalo do mensalão e
acabou ofuscada pela enxurrada de acontecimentos. A revista Época que trouxe a
entrevista com Valdemar Costa Neto confessando a operação de suborno circulou
em 13 de agosto de 2005, no dia seguinte àquele em que Lula admitiu ter sido “traído
por práticas inaceitáveis” e afirmou não ter vergonha de dizer ao povo brasileiro
“que nós temos de pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo,
onde errou, tem que pedir desculpas”.
Capítulo 5
– O escândalo do dossiê: flagrante de R$ 1,7 milhão
em dinheiro vivo
Lula conseguiu o que parecia
impossível. Sobreviveu ao escândalo do mensalão. Mais que isso: não perdeu a
popularidade e se tornou o favorito à própria sucessão. Provavelmente teria
sido reeleito já no primeiro turno das eleições de 2006, não fosse um outro
escândalo. No País da corrupção e da impunidade, tamanha desfaçatez, duas
semanas antes do pleito, talvez se explique pela crença de que após se livrar
do episódio do mensalão nada mais poderia pegá-lo. Lula e o PT sentiram-se
livres para delinquir novamente. O novo esquema de corrupção serviu para levar
as eleições ao segundo turno e confirmar os métodos daqueles que durante 20
anos, até a conquista do poder, definiram a si próprios como paladinos da ética
na política. A história começou em 15 de setembro de 2006, quando dois homens
foram presos pela Polícia Federal no hotel Ibis Congonhas, em São Paulo, com o
equivalente a R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo. Um deles, o empresário Valdebran
Carlos Padilha da Silva, ligado ao PT de Mato Grosso, foi apontado como
lobista, receptador e próximo ao deputado Carlos Abicalil (PT-MT). Foi
tesoureiro da campanha de Alexandre César (PT) a prefeito de Cuiabá.
Capítulo 6
–Os 403 dias que marcaram o escândalo do mensalão
Nas décadas de 60 e 70 do século 20,
não foram poucos os brasileiros a desafiar os “donos” do poder e a combater por
liberdade e democracia. Muitos tombaram, mas a luta não foi em vão. O Brasil se
transformou num país livre e democrático, como demonstraram os serviços
prestados pela imprensa na apuração do escândalo do mensalão. No início do
século 21, a luta das forças progressistas é por justiça social e distribuição
de renda. E essa luta passa prioritariamente pelo combate à corrupção. A
construção de uma sociedade sem tantas desigualdades pressupõe uma imprensa
atuante, sempre pronta a denunciar o clientelismo, o fisiologismo e o chamado
toma-lá-dá-cá. E a não tolerar a impunidade dos poderosos. Jornalistas têm a
missão de apontar a falta de transparência nas ações do poder constituído, a
fim de garantir a boa aplicação do dinheiro público. Jornalistas denunciam
desvios e demais expedientes lesivos aos direitos e aos legítimos interesses do
povo. Se os homens públicos tiverem responsabilidade e espírito público,
honestidade e seriedade, teremos as ferramentas necessárias para assegurar
investimentos em projetos sérios, eficientes e de alcance social. Somente dessa
forma o Brasil será um país desenvolvido e uma grande nação. O escândalo do
mensalão confirma, uma vez mais, que a imprensa livre, pluralista e vigilante é
imprescindível à democracia a ao Estado de Direito. Nada melhor para a
sociedade do que jornalistas determinados, incapazes de se curvar a pressões
econômicas, chantagens políticas ou ao benefício das sempre generosas verbas
publicitárias, em troca da omissão e do silêncio sobre o jogo sujo dos “donos”
do poder. Nesta cronologia dos 403 dias do escândalo do mensalão, muitos
profissionais de imprensa aparecem citados nominalmente. São repórteres que não
se intimidaram, não abaixaram a cabeça aos governantes da vez, e assim
contribuíram de forma decisiva para desvendar os fatos e elucidar detalhes do
maior esquema de corrupção governamental de que se tem notícia no Brasil, em
todos os tempos.
Capítulo 7
– Na denúncia do procurador-geral da República,
mensalão foi ação de ‘organização criminosa’
“Os denunciados operacionalizaram
desvio de recursos públicos, concessões de benefícios indevidos a particulares
em troca de dinheiro e compra de apoio político, condutas que caracterizam os
crimes de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta,
corrupção e evasão de divisas.” A acusação acima, do procurador-geral da
República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, faz parte do inquérito
sobre o escândalo do mensalão. Ele denunciou, em 11 de abril de 2006, 40
pessoas ao STF (Supremo Tribunal Federal). A denúncia endossou os resultados da
CPI dos Correios, e foi além. Logo na introdução do documento, os 20 dos
acusados com participação notória no esquema: José Dirceu, Luiz Gushiken, José
Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira, Marcos Valério, João Paulo Cunha,
Pedro Corrêa, José Janene, Valdemar Costa Neto, Professor Luizinho, João Magno,
Anderson Adauto, Duda Mendonça, José Borba, Carlos Rodrigues, Zilmar Fernandes
da Silveira, Simone Vasconcelos, Henrique Pizzolato e Roberto Jefferson. Para o
procurador, “todas as imputações feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson
ficaram comprovadas”. As apurações “evidenciaram o loteamento político dos
cargos públicos em troca de apoio às propostas do governo, prática que
representa um dos principais fatores do desvio e má aplicação de recursos
públicos, com o objetivo de financiar campanhas milionárias nas eleições, além
de proporcionar o enriquecimento ilícito de agentes públicos e políticos,
empresários e lobistas que atuam nessa perniciosa engrenagem”.
Capítulo 8
– O assassinato do prefeito Celso Daniel, coordenador
da eleição de Lula em 2002
Em março de 2003, logo após assumir a
Presidência da República, Lula recebeu em sua casa, em São Bernardo do Campo
(SP), Mara Gabrilli. Durante 20 minutos, o presidente ouviu um relato que
misturava chantagem e extorsão contra os donos da empresa de ônibus Expresso
Guarará, pertencente à família de Mara Gabrilli. Para prestar serviços em Santo
André (SP), cidade vizinha de São Bernardo do Campo, os proprietários da
Expresso Guarará eram obrigados a pagar propina à Prefeitura do PT. Palavras de
Mara Gabrilli: - Contei como era o esquema, quem cobrava a propina, e como a
Prefeitura tirou a licença para a empresa da minha família operar algumas
linhas, em represália ao fato de meu pai não ter dado propina a partir de certo
momento. Mara Gabrilli não deixou dúvidas. Indicou para Lula os responsáveis
pelo esquema de corrupção: o secretário de Serviços Municipais, Klinger Luiz de
Oliveira (PT), o empresário Ronan Maria Pinto e o ex-segurança do prefeito
Celso Daniel (PT), Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”. - Eu falei ao presidente
sobre o pagamento da caixinha que meu pai era obrigado a fazer a cada dia 30. E
falei da retaliação imposta à empresa desde que eu e minha irmã, Rosângela, denunciamos
o fato ao Ministério Público. Ao denunciar a corrupção em Santo André à CPI dos
Bingos, em 2005, Rosângela Gabrilli afirmou que os donos de empresas de ônibus
na cidade eram pressionados a contribuir para o caixa 2 do PT desde 1997, durante
a segunda gestão do prefeito Celso Daniel. Cabia ao Expresso Guarará o repasse
de R$ 40 mil mensais, em dinheiro vivo. Do depoimento de Rosângela: - Os
achaques eram feitos com intimidação e ameaça. Diziam que o Klinger tinha
sempre um revólver preso na canela. Isso constrangia muito. E ele lembrava a
cada momento: “Com o poder não se brinca, o poder tudo pode”. Antes de sair do
apartamento de Lula, Mara Gabrilli ouviu o presidente dizer que tomaria providências
e lhe daria uma resposta. Não foi o que aconteceu: - Ocorreu justamente o
contrário. Klinger soube, reclamou, e dias depois uma comissão de sindicância
da Prefeitura se instalou na nossa empresa. Celso Daniel foi sequestrado em 18
de janeiro de 2002, no início do ano que terminaria com a eleição do presidente
da República. Celso Daniel era coordenador de campanha de Lula. O corpo do
então prefeito foi achado dois dias depois. Os assassinos o torturaram antes de
matá-lo, provavelmente para obter os números das senhas das contas secretas em
paraísos fiscais no exterior onde, possivelmente, ele guardava dinheiro para a
campanha do PT. O médico João Francisco Daniel, irmão do prefeito morto, contou
sobre a conversa que teve com Gilberto Carvalho (PT-SP), secretário de Governo
de Celso Daniel, após a missa de sétimo dia, em 26 de janeiro de 2002.
Importante ressaltar que, um ano depois, ao assumir o cargo de mais alto
mandatário da nação, Lula nomeou Carvalho para o posto estratégico de chefe de
gabinete do presidente. Lula levou-o de Santo André para Brasília. Depois da
missa de sétimo dia, Gilberto Carvalho esteve na casa de João Francisco Daniel
e, emocionado, fez uma confissão que pediu para ser mantida em sigilo. Admitiu que,
durante a administração Celso Daniel, entregou dinheiro repassado por empresas
que mantinham contratos com a Prefeitura, diretamente para o presidente
nacional do PT, deputado José Dirceu (SP). Declaração do médico João Francisco
Daniel: - Achei estranho Carvalho me contar isso, mas ele contou. Contou três
vezes. Falou que, com muito medo, pegava seu Corsa preto e ia até São Paulo
entregar o dinheiro para o então deputado José Dirceu.
Capítulo 9
– Promotores pediram prisão de Antonio Palocci,
acusado por envolvimento com a ‘máfia do lixo’
Morto Celso Daniel (PT), prefeito de
Santo André (SP), Lula escolheu um outro prefeito para substituí-lo na
coordenação da campanha, durante o processo eleitoral de 2002: Antonio Palocci
(PT), de Ribeirão Preto (SP). Eleito presidente da República, Lula nomeou Antonio
Palocci seu ministro da Fazenda. No primeiro mandato (2003-2006), ele foi um dos
mais influentes auxiliares do Governo Federal. Fez parte do chamado “núcleo
duro” de Lula, juntamente com os ministros José Dirceu (PT-SP) e Luiz Gushiken
(PT-SP). A dupla caiu em 2005, após envolvimento no escândalo do mensalão. Antonio
Palocci também caiu, mas só no ano seguinte, em decorrência do crime de quebra
do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa. O funcionário o acusara
de frequentar uma mansão em Brasília, alugada pela chamada “república de
Ribeirão Preto”. O casarão servia para festas com garotas de programa. Palocci
suspeitou que o caseiro o denunciara por ter sido subornado pela oposição.
Achou que comprovaria a propina ao pôr as mãos em extratos bancários. Mas a
desconfiança não procedia. O pai do caseiro dera o dinheiro. Além do mais, não
haveria o que justificasse quebrar o sigilo. Antes de ser afastado, porém,
Palocci sofreu diversas acusações por atos de ilegalidade em Ribeirão Preto. As
denúncias de corrupção eram ainda mais graves que a quebra do sigilo. Afinal,
ao longo da trajetória do PT a ética na política foi propagada, em alto e bom som,
como sendo a bandeira mais importante do partido. Apesar disso, Lula protegeu Palocci
o quanto pôde. Poucos dias antes do segundo turno das eleições que reelegeram
Lula em 2006, o Ministério Público de São Paulo denunciou Palocci, recém-eleito
deputado federal. Promotores pediram à Justiça a sua prisão preventiva por
crimes de formação de quadrilha, peculato e adulteração de documentos públicos.
Acusaram-no de chefiar o grupo que fraudou contratos de limpeza pública na
Prefeitura de Ribeirão, provocando prejuízos de R$ 30,7 milhões. A ação
criminal pediu a condenação do ex-ministro a 225 anos de prisão. Em 2007,
Palocci foi condenado em primeira instância pela Justiça, por duas
irregularidades cometidas em Ribeirão: a doação de materiais de construção para
a Associação dos Funcionários da USP (Universidade de São Paulo) e o polêmico
projeto Vale dos Rios, que previa a construção de uma ponte suspensa no centro
da cidade. As obras não andaram. Foram gastos R$ 4,7 milhões na iniciativa, mas
só teria havido justificativa para R$ 323 mil. O TCE (Tribunal de Contas do
Estado) considerou irregulares a dispensa de licitação, o contrato e as
despesas autorizadas e efetuadas por Palocci. Auxiliares de Palocci que
ocuparam postos de comando na Prefeitura de Ribeirão também foram condenados.
Donizete Rosa é um deles. Nomeado diretor-superintendente do Serpro (Serviço
Federal de Processamento de Dados, autarquia do Ministério da Fazenda) no
governo Lula, ele não perdeu o cargo federal com a condenação. E saiu-se assim
ao ser confrontado com a decisão da Justiça, no caso da doação de materiais: -
Não me lembro disso, não fui ouvido e nem participei da autorização para essa
doação. Estranho o meu nome ser citado.
Capítulo 10
- Oito ministros do governo Lula. Oito casos de corrupção
Logo no primeiro ano de governo Lula,
em 2003, uma crise expôs a ministra da Assistência e Promoção Social, Benedita
da Silva (PT-RJ). Ela viajou para a Argentina e se reuniu com um grupo de
evangélicos. O compromisso de natureza particular, porém, teve despesas pagas
pelos cofres públicos. Benedita da Silva tentou escapulir do problema ao alegar
que participou de reuniões de trabalho em Buenos Aires. Assim justificaria
gastos com dinheiro do contribuinte. Não colou. Perdeu o emprego de ministra em
janeiro de 2004. Enquanto o escândalo do mensalão vinha à tona, em maio de
2005, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinava a abertura de inquérito
criminal para investigar outro ministro de Lula. Romero Jucá (PMDB-RR), da
Previdência Social, era suspeito de fazer uso irregular de empréstimos
concedidos pelo Basa (Banco da Amazônia) a um frigorífico de sua propriedade.
Apesar de receber dinheiro para implementar a Frangonorte, Jucá não pôs o
negócio para funcionar. Pior: os empréstimos teriam sido obtidos mediante
fraude, com a garantia de sete fazendas que, simplesmente, não existiriam. Lula
decidira nomear Romero Jucá, apesar das denúncias que pesavam sobre ele: além
do empréstimo bancário que escancarara propriedades rurais fantasmas, havia
acusações de desvio de verbas públicas, compra de votos, transações suspeitas
com emissoras de rádio e televisão em nome de laranjas e até a contratação
ilegal de empresas de limpeza em Boa Vista. A capital de Roraima era
administrada pela prefeita Teresa Jucá, mulher de Romero Jucá. As empresas
investigadas fraudariam o peso do lixo para aumentar o faturamento. O
Ministério Público descobriu até o caso de um cachorro morto, recolhido pelo
serviço de coleta de lixo de Boa Vista. Pesava 400 quilos... Romero Jucá não se
sustentou no cargo. Deixou de ser ministro, mas voltou forte no segundo mandato
de Lula como líder do governo no Senado. Enrolou-se novamente. No final de
2007, a Polícia Federal deflagrou a Operação Metástase, a fim de debelar um
esquema de fraudes na Funasa (Fundação Nacional de Saúde, do Ministério da
Saúde). Entre os mais de 30 presos, acusados de desviar R$ 34 milhões, estava o
coordenador da Funasa em Roraima, ex-deputado Ramiro José Teixeira. Ele fora
nomeado para chefiar o órgão por indicação de Jucá, dois anos antes. De acordo
com as investigações, era o líder do esquema de corrupção.
Capítulo 11
– O presidente do Senado, aliado de Lula. Outro
caso de corrupção
José Renan Vasconcelos Calheiros teve
vida modesta até virar político. Filho de pequeno produtor rural, cresceu em
Murici (AL), cidade pobre do Nordeste. Vendeu sandálias feitas com pneus velhos
para dispor de algum dinheiro. Quando entrou para a política, em 1978, tinha um
fusca. Mais nada. Renan Calheiros ficou milionário. Em 25 de maio de 2007, um
dia antes de a revista Veja chegar às bancas de jornal, havia rumores sobre uma
denúncia contra o poderoso presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Em
Brasília, o presidente da República tratou de defender o aliado: - Não vi
nenhuma matéria ainda, conversei com o Renan ontem e anteontem. O Renan está
tranquilo. Lula acrescentou, para não deixar dúvidas sobre a sua posição: -
Essas coisas têm de ter um processo, uma investigação, a chance daqueles que
são acusados prestarem suas explicações. A reportagem descreveu que Renan
Calheiros usou os “serviços” de um funcionário da empreiteira Mendes Júnior,
uma das maiores do País, para dar dinheiro vivo à mãe da filha que ele teve
fora do casamento. O problema é que os R$ 12 mil mensais, entregues sempre em cash,
dentro de envelopes, nas dependências do escritório da Mendes Júnior em
Brasília, correspondiam praticamente à totalidade do salário do senador. A
suspeita, lógica: o dinheiro não era dele, mas um mimo da empreiteira.
Reforçava a suspeita o fato de Renan Calheiros não ter declarado os valores no
Imposto de Renda. Publicado o escândalo, Lula telefonou a Renan Calheiros para
manifestar o seu apoio. A assessoria do presidente, solícita, divulgou o teor
da fala de Lula: - Renan, sou solidário a você. Estou muito solidário e tenho
certeza de que você vai explicar as acusações. Os pagamentos à jornalista
Mônica Veloso, mãe da pequena Maria Catharina, eram feitos por Cláudio Gontijo,
assessor da Diretoria de Desenvolvimento de Tecnologia da Mendes Júnior. Nos
encontros regulares entre Renan e a jornalista, revelaria ela depois, não se
falava em dinheiro. Muito menos de sua origem. Conveniente. Mas as somas
chegaram em espécie às mãos de Mônica Veloso, de março de 2004 a novembro de
2005, dentro dos tais envelopes. Isso durou até Renan reconhecer a paternidade.
Cláudio Gontijo foi fiador do apartamento duplex alugado à jornalista em área
nobre de Brasília, e providenciou seguranças para a mãe e a filha do senador. O
representante da empreiteira teria colocado à disposição de Renan um flat no
hotel Blue Tree de Brasília, para encontros reservados. O mesmo Cláudio Gontijo
também teria arrumado dinheiro para a campanha eleitoral deRenan Calheiros
Filho (PMDB), o “Renanzinho”, eleito prefeito de Murici (AL) em 2004, e para um
amigo, o médico José Wanderley Neto, eleito vice-governador de Alagoas, na
chapa encabeçada por Teotônio Vilela Filho (PSDB-AL), outro amigo de Renan. O
prestativo funcionário da Mendes Júnior confirmou a entrega de dinheiro à
jornalista, mas negou que fosse da empreiteira para a qual trabalhava. Nas
palavras dele: - Só posso dizer que não era meu. Lula voltou a se manifestar.
Usou o programa de rádio “Café com o Presidente” para reiterar o apoio a Renan
Calheiros. Citou a revista Veja: - A reportagem o colocou sob suspeita. Isso
não quer dizer que o senador Renan seja culpado. Até prova em contrário, ele é
inocente.
Capítulo 12
– Sob a conveniência da ‘segurança nacional’, Lula
não revelou gastos com cartão corporativo
As despesas do governo Lula com cartões
corporativos se transformaram numa caixa preta. Só a Presidência da República
teria efetuado gastos secretos superiores a R$ 20 milhões entre 2004 e 2007. Na
esteira das investigações conduzidas pelo Congresso Nacional, Lula se viu
obrigado a afastar a sua ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro (PT-SP),
que não teve como justificar as despesas com o chamado dinheiro de plástico.
Para evitar a quebra de sigilo dos cartões corporativos e amansar deputados e
senadores oposicionistas, o Palácio do Planalto urdiu a elaboração de um dossiê
com gastos do expresidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) e da ex-primeira
dama, Ruth Cardoso. Os dados foram preparados e divulgados pelo Ministério da
Casa Civil, sob o controle de Dilma Rousseff (PT-RS). A responsável pela
formatação da documentação foi apontada como sendo Maria de la Soledad
Castrilho, a “Marisol”, que ocupava os cargos de diretora de Recursos
Logísticos e chefe de gabinete de Erenice Guerra, a secretária-executiva e
principal assessora da ministra Dilma Rousseff. E quem vazou o dossiê foi José
Aparecido Nunes Pires, militante histórico do PT, levado para o Ministério da
Casa Civil pelo antecessor de Dilma Rousseff, José Dirceu. Ora, se Lula não
queria divulgar com transparência os seus gastos em nome da segurança do
presidente da República, o que justificaria tornar públicas as despesas do
antecessor? De qualquer forma, a jogada do governo deu certo. Desviou o foco
das atenções da CPI dos Cartões sobre desvios, irregularidades e até
enriquecimento ilícito para o debate político sobre o dossiê de FHC. Vale
registrar distorções acerca do uso dos cartões corporativos em nome da
Presidência da República no segundo mandato de Lula, mesmo que pouco tenha
vindo à tona em razão das sistemáticas rejeições da base aliada do governo aos
requerimentos com pedidos de informação à CPI. Das poucas coisas que ficaram
públicas, houve o pagamento insignificante de R$ 112,11 de uma conta de
internet de Fábio Luís Lula da Silva, o “Lulinha”, filho do presidente,
efetuada em setembro de 2003. Dez funcionários da Presidência da República
foram autorizados a usar cartões corporativos para fazer compras de interesse
de Lula em 2007. Gastaram R$ 3,6 milhões. Do total, os ecônomos, nome técnico
dos funcionários, retiraram R$ 352 mil em dinheiro vivo. Com a notícia nos
jornais, receberam orientação para não conceder entrevistas. Informações sobre
os gastos chegaram a conhecimento público por meio do Portal da Transparência,
um site na internet gerenciado pela CGU (Controladoria-Geral da União).
Depois os dados foram retirados da rede mundial de computadores. Antes das
informações terem sido subtraídas da internet, era possível saber os
gastos de cada um dos dez ecônomos a serviço da Presidência da República entre
2003 e 2007. Juntos, despenderam R$ 11,6 milhões, sendo que sacaram R$ 1,7
milhão em dinheiro vivo em caixas eletrônicos.
Capítulo 13
– Em 5 anos, Lula repassou R$ 12,6 bilhões para ONGs.
Dinheiro para amigos, mal fiscalizado
A administração Lula repassou R$ 12,6
bilhões a 7.700 ONGs (Organizações Não-Governamentais) por meio de 20 mil
convênios entre 2003 e 2007. Apesar dos valores expressivos, não havia
mecanismos para selecionar adequadamente as entidades escolhidas como
prestadoras de serviço. Quase não existiu controle na aplicação dos recursos
federais, nem rigor na hora de acertar as contas. Suspeitou-se de desvios.
Parte do dinheiro poderia ter sido embolsada por gente amiga. A CPI (Comissão
Parlamentar de Inquérito) encarregada de apurar irregularidades quase não
avançou. Os governistas travaram as investigações. Não houve quebra de sigilos
bancários e fiscais para identificar responsáveis pela eventual roubalheira. A
proposta para criar a CPI surgiu após a identificação de Jorge Lorenzetti, o
amigo e churrasqueiro de Lula, como protagonista do escândalo do dossiê, no
final de 2006. Na época Jorge Lorenzetti fora apontado pela Polícia Federal
como o responsável pela articulação da compra do tal dossiê. Ele também era
colaborador de uma ONG, a rede Unitrabalho, suspeita de desvios. A Unitrabalho
recebeu R$ 5,4 milhões da Fundação Banco do Brasil. As denúncias respingaram em
Ideli Salvatti (PT-SC), então líder do partido do presidente da República no
Senado. Ela teria ligações com a ONG Federação dos Trabalhadores na Agricultura
Familiar da Região Sul, que recebeu R$ 5,2 milhões do Governo Federal entre os
anos de 2003 e 2007. Suspeitava-se que parte do dinheiro destinado à formação e
qualificação de mão-de-obra rural teria sido usada em campanhas do PT. A filha
de Jorge Lorenzetti, Natália, aliás, trabalhava no gabinete da senadora Ideli
Salvatti. Associou-se ainda o nome de Jorge Lorenzetti ao de outra ONG de Santa
Catarina, a Rede 13. Entre os fundadores da entidade estava Lurian Cordeiro
Lula da Silva, filha do presidente Lula. A ONG funcionaria como um braço do
programa Fome Zero e teria recebido R$ 7,5 milhões do Governo Federal até ser
extinta. A oposição suspeitou da Rede 13, que também serviria para repassar
dinheiro público a integrantes do PT. Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da
União) chegou a apontar que 54% das verbas federais destinadas a ONGs eram repassadas
a entidades sem capacidade para realizar as atividades propostas. A metade dos
R$ 3 bilhões liberados a ONGs e Oscips (Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público) em 2006, conforme estimativa do TCU, foi desviada Não é
pouco: R$ 1,5 bilhão. Malversação de dinheiro público. Para fiscalizar
atividades de 270 mil ONGs e Oscips, o Ministério da Justiça dispunha de 12
funcionários. Exemplo de descontrole e desperdício de dinheiro público foi o
tratamento do governo Lula à ONG Agência de Desenvolvimento Solidário, ligada à
CUT (Central Única dos Trabalhadores). Com sede em São Paulo, a entidade
recebeu R$ 8 milhões do Ministério da Educação para executar o Programa Brasil
Alfabetizado. Não cumpriu o estabelecido. Entre as irregularidades detectadas
em 59 ONGs conveniadas com o Ministério da Educação havia grupos de
alunos-fantasmas, turmas com número de alunos abaixo do previsto, professores
sem receber salários, professores cadastrados à revelia, classes registradas em
locais desativados e, principalmente, inexistência de prestações de contas
sobre serviços que foram pagos e deveriam ter sido realizados. Funcionava tudo
como se as entidades existissem apenas como forma de transferir dinheiro
público a seus donos. A CGU (Controladoria-Geral da União) inspecionou “serviços”
do Instituto do Trabalho Dante Pellacani em Belford Roxo (RJ). Era uma fraude.
Não encontrou quatro alfabetizadoras inscritas pela ONG para ministrar aulas.
Dos 40 alunos da amostra analisada, 16 nem sequer existiam. Dos sete nomes que
constavam na relação de beneficiários e possuíam telefone em casa, três não
participavam das atividades. Dos outros, quatro nem foram localizados.
Capítulo 14
– Traquinagens da família Lula da Silva. As andanças
de Genival, o “Vavá”
Dona Marisa Letícia, a primeira-dama,
mandou fazer um canteiro de quatro metros de diâmetro com flores vermelhas em
forma de estrela, o símbolo do PT, nos jardins do Palácio da Alvorada. Tentou
caracterizar a residência oficial do presidente da República como uma sede do
partido. Luís Cláudio Lula da Silva, filho do presidente, usou avião da FAB
(Força Aérea Brasileira) com 14 amigos. Foi durante as férias de 2004. O
deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ) tentou de todos os modos verificar a veracidade
da história. Só conseguiu confirmar a mordomia junto ao Gabinete Institucional
da Presidência da República. Antes, havia feito sucessivos requerimentos à
Secretaria-Geral da Presidência da República, Ministério da Casa Civil e
Ministério da Defesa. Ninguém admitia o uso do avião oficial. Mas existiu. Cinco
anos depois, em outubro de 2009, Lula nem deu atenção ao caso. Desta vez quem pegou
carona no avião do governo foi Fábio Luís Lula da Silva, o “Lulinha”, filho
mais velho do presidente. Ele e 15 acompanhantes. O “Sucatinha”, um Boeing 737
da FAB, já estava perto de Brasília quando o piloto recebeu ordens para voltar
a São Paulo e pegar a turma do Lulinha. O presidente do Banco Central, Henrique
Meirelles, também voou na aeronave, que seguiu novamente para Brasília. O
Palácio do Planalto só informou que Lulinha e os amigos eram convidados do
presidente da República. Ponto final. De acordo com relato do economista Paulo
de Tarso Venceslau, o amigo de Lula, Paulo Okamotto, resolveu um problema
provocado por Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do presidente. Eram tempos
da eleição para o Palácio do Planalto de 1994. Lurian teria saído de uma loja
em São Paulo sem pagar pelas mercadorias que levara consigo. A missão de Paulo
Okamotto era pagar pelos produtos evitando que a história vazasse para os
jornais. Ele conseguiu. Em junho de 2009, o marido de Lurian, Marcelo Sato, foi
acusado de tráfico de influência em transações que envolviam a execução de
obras no porto de Itajaí (SC). O Governo Federal tinha liberado R$ 350 milhões
para reconstruir as instalações do porto, mas haveria 19 irregularidades na contratação
de empreiteiras. Marcelo Sato participou de reunião para discutir as obras ao
lado do deputado Décio Lima (PT-SC), um ex-superintendente do porto. Na época,
o genro de Lula era assessor da deputada estadual Ana Paula (PT-SC), mulher de Décio
Lima. O procurador Marcelo da Mota disse ao repórter Hugo Marques, da revista
Isto É, que Marcelo Sato seria investigado: - Há indícios para investigar a
intervenção de Marcelo Sato junto a órgãos do Governo Federal. Sandro Luís Lula
da Silva, outro filho do presidente, foi funcionário-fantasma do PT. Os repórteres
Lílian Christofoletti e José Alberto Bombig, da Folha de S.Paulo, revelaram o caso.
Contratado por R$ 1.522, Sandro Luís prestava “serviços à distância”. Empregado
do PT durante mais de três anos, Sandro Luís teria passado a prestar serviços
em casa, em São Bernardo do Campo (SP), desde que o pai se tornara presidente
da República. Deram diversas explicações. Numa primeira versão, o PT informou
que o filho de Lula nunca trabalhara no partido. Depois, o PT alegou que o
rapaz deixou de ser funcionário em meados de 2002. E, por fim, o partido
informou que ele fora desligado dos quadros da legenda “há uma ou duas semanas”,
ou seja, em junho de 2005, na mesma época em que a reportagem foi publicada. Os
repórteres ouviram o presidente do PT de São Paulo, Paulo Frateschi: - Ele não
ia todos os dias. Às vezes, aparecia um dia por semana, um dia por mês. Ele não
precisa ir ao diretório para trabalhar. Trabalha na casa dele, até porque
precisa apenas de um computador para realizar o serviço. Paulo Frateschi não
informou quais serviços Sandro Luís prestava ao PT. Quem ocupou páginas de
jornal foi Fábio Luís Lula da Silva. O jornal O Globo, do Rio, publicou em
julho de 2005 que a Telemar, uma das maiores operadoras de telefonia do País, havia
comprado ações da Gamecorp, empresa de Lulinha. Note-se que a Telemar,
concessionária de serviço público, era constituída com recursos do BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Banco do Brasil e fundos de
pensão de empresas estatais. A notícia falava na aplicação de R$ 5 milhões na
Gamecorp. Com o negócio, a Telemar disporia de ações da empresa de Lulinha e do
direito de usar programas de jogos produzidos pela Gamecorp em telefones
celulares. Lulinha havia montado a Gamecorp, com capital de R$ 10 mil, numa
sociedade firmada no ano anterior com Kalil e Fernando Bittar, filhos de Jacó
Bittar, velho amigo de Lula, nomeado por influência do presidente como
conselheiro da Petros, o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras. O
negócio com a Telemar elevou a R$ 7 milhões a expectativa de faturamento da
Gamecorp em 2006. A transação foi intermediada pela BDO Trevisan, empresa de
consultoria de Antoninho Marmo Trevisan. Ele era outro amigo de Lula, nomeado para
o Conselho de Ética Pública da Presidência da República.
Capítulo 15
– Duas tragédias, apagão aéreo e corrupção na Infraero.
Compadre de Lula ganhou milhões
Antes mesmo da primeira tragédia aérea
da era Lula, na qual perderam as vidas todos os 154 passageiros e tripulantes
do avião da empresa Gol que caiu no Mato Grosso em 29 de setembro de 2006, a
crise no setor da aviação já incomodava o governo do PT. E não por conta dos
problemas no controle do tráfego aéreo, uma das possíveis causas do desastre com
o avião da Gol. Era por corrupção. O TCU (Tribunal de Contas da União)
divulgara, quase um ano antes, relatório com irregularidades em contratos de
publicidade e informática da Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura
Aeroportuária), a estatal federal encarregada de administrar 67 aeroportos no
País. Em 2002, no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), os
dispêndios da Infraero com propaganda foram de R$ 2,5 milhões. Dois anos depois,
já nos tempos de Lula, a gastança alcançou os R$ 15,3 milhões. Técnicos do TCU
identificaram contratos sem licitação e ausência de pesquisas de preço para
evitar superfaturamento nos serviços. A agência de publicidade encarregada dos
trabalhos, a Signo Comunicação, era de Anderson Pires, conhecido pelas ligações
com o partido do presidente da República. Ele recebeu R$ 10 milhões para fazer
a propaganda da Infraero. Após assinar o contrato com a estatal, aliás,
Anderson Pires foi trabalhar na campanha do candidato petista Avenzoar Arruda à
Prefeitura de João Pessoa. A crise nos aeroportos chegou a tal ponto que a
oposição apelou ao STF (Supremo Tribunal Federal) para constituir a CPI do
Apagão Aéreo em março de 2007, tantas foram as manobras da base aliada de Lula
para impedir os trabalhos de investigação. A CPI acabou instalada, mas em setembro
daquele ano a tropa de choque que defendia os interesses da administração do PT
impediu a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-presidente da Infraero,
Carlos Wilson, um ex-senador do PTB, amigo de Lula, que se transferira para o
PT e fora eleito deputado federal. Ele era suspeito, entre outras
irregularidades, de envolvimento no superfaturamento de obras no aeroporto de
Congonhas, em São Paulo, o mais movimentado do País. Quando Lula assumiu, em
2003, os gastos federais com a Infraero eram inferiores a R$ 400 milhões por
ano. Três anos depois, já beiravam os R$ 900 milhões. O temor pelos
desdobramentos da CPI, entre outros motivos, vinha da eventual exposição do advogado
Roberto Teixeira, compadre de Lula, que trabalhava para empresas do setor aéreo.
Motivos não faltavam. O TCU decidiu reduzir em R$ 100 milhões a estimativa de
gastos para a construção do terceiro terminal de passageiros do aeroporto internacional
de Guarulhos (SP), o mais importante do País. Havia suspeitas de
irregularidades em obras nos aeroportos de Viracopos(Campinas, SP), Salgado
Filho (Porto Alegre) e Santos Dumont (Rio). No Espírito Santo, teriam mandado
construir uma pista que dava de frente com um morro, o que a inviabilizou. Parece
piada. Em Recife, a questão era de superfaturamento na compra de obras de arte
para embelezar o terminal do aeroporto da pobre capital pernambucana. Em agosto
de 2008, o TCU trabalhava com levantamentos que indicavam superfaturamento de
contratos da ordem de R$ 3 bilhões em obras da Infraero em nove aeroportos do
País.
Capítulo 16
– STF abriu processos contra 40 mensaleiros. José
Dirceu foi acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha
Dois anos e três meses após a
divulgação da fita em que Maurício Marinho, alto funcionário dos Correios, pôs
no bolso do paletó R$ 3 mil e com o gesto marcou o início do escândalo do
mensalão, o STF (Supremo Tribunal Federal) começou o julgamento dos 40 políticos
e empresários acusados de envolvimento com o esquema de corrupção, na maior denúncia
criminal da história investigada pela corte suprema do País. Em 22 de agosto de
2007, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, sustentou a
denúncia no plenário do STF. Para ele, “o mensalão não existiria se não tivesse
integrantes do governo” envolvidos na maracutaia. Referindo-se diretamente ao
ex-ministro José Dirceu (PTSP), afirmou: “É fato público que Dirceu sempre teve
e ainda tem grande importância nas decisões do PT”. O procurador-geral da
República citou José Dirceu e os dirigentes do PT José Genoino, Delúbio Soares
e Sílvio Pereira para dizer que os quatro líderes do partido do presidente da República
“ditavam as diretrizes, tinham o comando do procedimento criminoso”. Para Souza,
“a promiscuidade com o poder é o caldo de cultura perfeito para a viabilidade
de interesses escusos”. O procurador-geral falou em “quadrilha” e “organização
criminosa”: - Os autos revelam de forma incontroversa os repasses,
especialmente para parlamentares, de elevadas quantias em espécie, muitas vezes
entregues em hotéis, a beneficiários que nem conferiam os valores recebidos,
dinheiro acondicionado em pastas, sacolas e em envelopes de grande porte,
valores depositados em conta no exterior não declarada, mediante a utilização
de doleiros e de empresa offshore. Os quatro petistas foram denunciados
por agirem no que Souza chamou de “núcleo central da organização criminosa”,
cujo objetivo era buscar apoio político de parlamentares, pagar dívidas
partidárias e arcar com gastos de campanhas eleitorais do PT e de partidos da
base aliada do presidente Lula. Ele qualificou o empresário Marcos Valério como
o “principal artífice do procedimento criminoso”. Lembrou um jantar que reuniu
José Dirceu e Marcos Valério em 2004, como evidência de que os dois mantinham
relação próxima. Deu como exemplo, ainda, um fato que envolveu Simone
Vasconcelos, ex-diretora da SMPB, agência de publicidade de Valério: - Os autos
revelam uma fartura incrível de dinheiro em espécie que transitou por caminhos tortuosos.
Era tanto dinheiro circulando de modo atípico que Simone Vasconcelos, em determinada
oportunidade, teve que pedir um carro-forte para transportar R$ 650 mil para a sede
da empresa em Brasília, onde o montante foi repassado. O procurador-geral
acrescentou: - Os repasses sempre à margem dos procedimentos bancários mais
expedidos e mais seguros. Tal descrição, que é típica do submundo do crime,
revela a rotina vivenciada pelos denunciados por muito tempo. Ao invés de
valer-se dos mecanismos bancários mais ágeis e seguros, sempre se efetuava
repasses de valores em espécie, acondicionados em pastas 007, em pacotes ou
sacos de lona, em locais inadequados, tais como recepção e quartos de hotéis, bancas
de revistas, ou mediante depósitos de contas no exterior, sempre com a máxima preocupação
de impedir a identificação dos destinatários. Na sustentação da denúncia, a
menção ao caso Visanet, esquema por meio do qual dinheiro público do Banco do
Brasil foi repassado a empresas de Marcos Valério e, em seguida, serviu para
irrigar a corrupção: - Foram recursos privados, oriundos de empresas com
interesses patrimoniais escusos perante o governo, e dinheiro público, como no
caso Visanet, as fontes que mantiveram ativo o ilícito sistema de transferência
de recursos para parlamentares, dirigentes partidários e credores de partidos. A
denúncia foi corroborada por relatórios reservados do Coaf (Conselho de
Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda), segundo os quais
haveria indícios de operações suspeitas contra 27 dos 40 julgados pelo STF.
Segundo reportagem de Andréa Michael, da Folha de S.Paulo, documentos do Coaf
registraram que mensaleiros fizeram operações financeiras suspeitas para lavar
R$ 1,2 bilhão entre 2001 e 2007.
Capítulo 17
– Dois anos depois, Polícia Federal desmantelou outra
organização criminosa nos Correios
Apesar de a ECT (Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos) ter sido a ponta do novelo do maior esquema de corrupção
da administração federal do PT, Lula deixou a coisa correr solta. Lavou as
mãos. Em 2005, no calor do escândalo, ainda demitiram três funcionários, incluindo
Maurício Marinho, o chefe de Contratação e Administração de Material, afastado
após gravação clandestina mostrá-lo recebendo propina. Remanejaram outros 20 servidores,
todos ocupantes de cargos de chefia na época. Note-se bem: eles foram
transferidos de função, mas mantidos na empresa. E as “cartas do jogo”, antes
divididas entre PMDB, PT e PTB se concentrariam no segundo mandato de Lula no
partido do ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB-MG), cuja legenda se
tornara a principal base de apoio do governo. Deu no que deu. Dois anos após o
escândalo do mensalão, a Polícia Federal e o Ministério Público desencadearam a
Operação Selo. Era agosto de 2007. Prenderam uma quadrilha especializada em fraudar
licitações, vender produtos e fornecer serviços para os Correios. A ironia é
que entre os cinco presos estava o empresário Arthur Wascheck Neto, apontado
como o responsável por encomendar a gravação das imagens de Maurício Marinho em
2005. Este o contrariara e a filmagem teria sido uma vingança. De qualquer
forma, Arthur Wascheck Neto continuaria naativa, operando dentro dos Correios.
Para o delegado federal Daniel França, a corrupção nos Correios se assemelhava
a um câncer, que ressurgia por metástase. Declaração do delegado: - Como os
traficantes fazem no morro, quando são mortos ou presos, acontece o mesmo no
serviço público. Uma quadrilha sai e entra outra para praticar os mesmos atos ilícitos
no seu lugar. Por orientação de Lula, o PMDB indicara toda a nova linha de
comando dos Correios. Do presidente Carlos Henrique Custódio aos principais
dirigentes da empresa, todos eram padrinhos de Hélio Costa (PMDB-MG), José
Sarney (PMDB-AP), Renan Calheiros (PMDBAL), Ney Suassuna (PMDB-PB) e Romero
Jucá (PMDB-RR), o líder do governo no Senado. As investigações apontaram a
existência de uma tabela da propina, quitada com dinheiro, empregos, passagens,
mimos e outras vantagens. As máfias incrustadas nos Correios englobariam cerca
de 20 empresas. A história do empresário Arthur Wascheck Neto vinha de longe.
No governo do presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) ele foi envolvido
com uma compra superfaturada de bicicletas. O escândalo ajudou a derrubar o
então ministro da Saúde, Alceni Guerra. Com o tempo, Arthur Wascheck Neto
concentraria suas ações nos Correios. Preso, foi acusado de ser lobista e
intermediador junto ao grupo de empresários denunciado por fraudar licitações.
A quadrilha corromperia funcionários para vender produtos com especificações
abaixo do previsto em editais e, portanto, repassaria bens de qualidade
inferior. Assim, podia oferecer preços menores. Venceu licitações para entregar
cofres, geladeiras, tênis, botas, capas de chuva e guarda-chuvas.
Capítulo 18
– TCU recomendou paralisar obras irregulares; Petrobras
foi campeã em aumento de custos
O TCU (Tribunal de Contas da União)
elaborou relatório de fiscalização com indícios de graves irregularidades em 63
obras do Governo Federal, a ponto de recomendar, em setembro de 2009, a
paralisação de 41 empreendimentos da administração Lula. Entre os casos mais
graves, a Petrobras. Na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco,
cujos serviços àquela altura estavam estimados em R$ 4 bilhões, técnicos do TCU
detectaram sobrepreços e critérios de medição inadequados. Na reforma da
refinaria Presidente Getúlio Vargas, no Paraná, com obras orçadas num total de
R$ 2,5 bilhões, também teria havido a prática de sobrepreço. Das 41 obras em
piores situações, 14 estavam a cargo do Dnit (Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes, do Ministério dos Transportes). Outras cinco
obras eram tocadas pelo Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas,
do Ministério da Integração Nacional). Além da cobrança de preços acima da
média do mercado, o TCU identificou restrições à competitividade nas
licitações, deficiência em projetos apresentados e orçamentos incompletos. Para
o presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, a interrupção dos serviços é medida
extrema: - Não nos interessa a paralisação de obras, mas não poderíamos deixar
que prosperassem a fraude, o conluio e a corrupção. Além das duas refinarias
faziam parte da lista de casos mais graves as seguintes obras, com os
respectivos custos: construção/ampliação das estradas BR-101 (no Rio de
Janeiro), no valor de R$ 80 milhões; BR-158 (na divisa entre Pará e Mato
Grosso), de R$ 64 milhões; BR-364 (em Rondônia), R$ 62,8 milhões; BR-265
(corredor Leste, em Minas Gerais), R$ 31,5 milhões; e BR-317 (na divisa entre
Amazônia e Acre), no valor de R$ 23 milhões. Dois aeroportos estavam na
relação: o de Guarulhos (SP), com obras estimadas em R$ 69,8 milhões, e o de
Vitória, com serviços estimados em R$ 5 milhões. Faziam parte da lista de obras
irregulares a ampliação da rede de energia elétrica no Piauí, orçada em R$ 203 milhões;
a construção da barragem Berizal, em Minas Gerais, estipulada em R$ 6,6
milhões; e os projetos de irrigação entre Santa Cruz e Apodi, no Rio Grande do
Norte, no valor de R$ 15,7 milhões, e do Baixio de Irecê, na Bahia, de R$ 48
milhões. Algumas obras sofreram aumentos de custos expressivos, o que alertou o
TCU. Cinco delas a cargo da Petrobras: o gasoduto Urucu-Coari-Manaus subiu de
R$ 2,4 bilhões, no início das obras, em 2006, para R$ 4,5 bilhões, em março de
2009. Justificativa da Petrobras: a estatal resolvera implementar “tecnologia
inédita” no País. O gasoduto Cacimbas-Catu, entre o Espírito Santo e a Bahia,
teve os custos elevados de R$ 2,9 bilhões para R$ 3,5 bilhões. Segundo o TCU,
havia contratos firmados sem licitação e o superfaturamento nos serviços de
aplicação de asfalto alcançara 2.400%. Trabalhos de escavação em 183
quilômetros da obra foram acordados em R$ 1,6 milhão, enquanto o mesmo serviço
em outro trecho, de 171 quilômetros, recebeu orçamento de R$ 10 milhões.
Capítulo 19
– Apesar do desgaste, Lula defendeu José Sarney e
retribuiu apoio recebido no caso do mensalão
O mundo político foi marcado pela
eleição de José Sarney (PMDB-AP) à presidência do Senado no início de 2009. Se
houvesse alguma dúvida sobre o papelão que os senhores parlamentares desempenhariam,
naquele sétimo e penúltimo ano da era Lula, acabou desfeita com as primeiras
palavras do novo segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados e corregedor
da Casa, Edmar Moreira (DEM-MG), eleito na mesma época. Edmar Moreira queria o
fim dos julgamentos de deputados por falta de decoro parlamentar. Ninguém mais seria
cassado. Propôs um vale-tudo. É digno de nota o fato de que o novo corregedor
responderia a inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por suspeita de
apropriação indébita de contribuições previdenciárias e crime contra a ordem
tributária. O deputado mineiro não teria repassado para o INSS (Instituto
Nacional de Seguro Social) um total de R$ 655 mil referentes a contribuições
recolhidas dos salários dos funcionários de uma de suas empresas de segurança. O
histórico de Edmar Moreira incluía votos contra as cassações de sete deputados
denunciados por envolvimento no escândalo do mensalão e a renúncia à vaga de
titular do Conselho de Ética da Câmara. Motivo: ficou indignado com a rejeição
de seu relatório absolvendo o deputado José Mentor (PT-SP), que não dera
explicações consideradas razoáveis para um dinheiro depositado pelo valerioduto
em sua conta bancária. Nem precisava: José Mentor acabou inocentado por seus
pares. O elo com o PT proporcionara os votos necessários para Edmar Moreira
eleger-se corregedor. O que o tornou conhecido nacionalmente, contudo, foram as
imagens de um castelo estapafúrdio, em estilo medieval, estampadas nos jornais
de todo o País. A propriedade suntuosa virou um símbolo da imoralidade
política. Acusado de esconder da Justiça Eleitoral o famoso Castelo Monalisa,
avaliado em R$ 25 milhões, Edmar Moreira alegou que era dos seus filhos a
construção erguida em área de 192 hectares, com 36 suítes dotadas de hidromassagem
e torres de até sete andares, em São João do Nepomuceno (MG). O deputado sofreu
outra acusação: teria gastado boa parte dos R$ 15 mil mensais da chamada verba
indenizatória fornecida pela Câmara para contratar segurança privada. Em vez de
usar o dinheiro para cobrir despesas do mandato com serviços de transporte,
hospedagens e aluguel de escritórios, por exemplo, justificou o dispêndio de R$
230 mil dos R$ 360 mil, num período de dois anos, com segurança pessoal. Pior:
Edmar Moreira apresentou notas de duas empresas de sua propriedade, a Ronda e a
Itatiaia, como se tivessem sido contratadas por ele com o objetivo de
protegê-lo. As investigações apontaram que a Ronda existiria apenas para emitir
notas, a fim de justificar o uso da verba indenizatória. As empresas estariam
em situação pré-falimentar. O deputado não comprovou a prestação dos serviços.
Ficou a forte suspeita de que amealhou os recursos públicos em benefício
pessoal. O primeiro relator do caso Edmar Moreira perdeu o cargo após dizer que
não via motivos para condenar nem pedir a cassação do colega. Palavras do deputado
Sérgio Moraes (PTB-RS): - Estou me lixando para a opinião pública. O deputado
do castelo não perdeu o mandato.
Capítulo 20
– Lula: ‘Sarney tem história para que não seja
tratado como se fosse pessoa comum’
O tamanho da crise no Senado não teve
precedente. Apesar de cercado por um oceano de acusações, indícios e evidências
de abusos, desmandos e uso do cargo em benefício próprio, de parentes, aliados
e amigos, o presidente da Casa, senador José Sarney (PMDB-MA), continuou a
receber apoio político do presidente Lula. Quanto mais deteriorada e
escancarada a situação de Sarney, mais Lula se empenhou em minimizar condutas
inadequadas, desqualificar denúncias e apresentar-se como o protetor absoluto
do líder maranhense. O presidente da República fez de tudo para salvá-lo.
Conseguiu. Aqui, um resumo do escândalo que mobilizou a opinião pública em
2009, entremeado com a defesa do chefe Lula e de seus principais operadores. Com
a revelação de que o Senado tomava decisões por meio de atos secretos, em junho
daquele ano, Sarney foi posto na berlinda. Afinal, Agaciel Maia, o
diretor-geral apontado como o maior responsável por esconder medidas que
implicavam gastos públicos, sem divulgá-las, fora escolhido para comandar a Casa,
14 anos antes, por Sarney. Os atos secretos atingiram diretamente o velho líder
do Maranhão. O escândalo trouxe à tona que João Fernando Michels Gonçalves
Sarney, neto de Sarney, havia sido nomeado, com 20 anos, secretário parlamentar
do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), num dos postos mais altos da estrutura
funcional do Senado. Ficou no “emprego”, aparentemente sem aparecer por lá, por
quase dois anos. O salário dele era de R$ 7.600, sem contar os benefícios. Do
presidente Lula: - Eu sempre fico preocupado quando começa no Brasil esse
processo de denúncias, porque ele não tem fim e depois não acontece nada. Em
razão da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que proibiu o nepotismo no
poder público, o jovem João Fernando, filho do empresário Fernando Sarney,
primogênito de José Sarney, não poderia continuar usufruindo a sinecura.
Puseram em seu lugar, com o mesmo salário, a mãe, uma ex-candidata a Miss
Brasília, Rosângela Terezinha Michels Gonçalves. Antes da nomeação da mãe do
rapaz no Senado, a Polícia Federal gravou uma conversa telefônica entre
Fernando Sarney e João Fernando. No diálogo, travado em 27 de agosto de 2008, o
pai acalmava o filho, temeroso de perder o emprego, em razão do cerco ao nepotismo
no Congresso. Fernando Sarney explicou que já acertara a situação com o senador
Epitácio Cafeteira: - Se tiver que, de alguma forma, ter uma atitude, tiver que
sair mesmo, ele já me disse que o lugar é meu, que eu boto quem eu quiser. De
Lula: - Não sei a quem interessa enfraquecer o Poder Legislativo no Brasil, mas
eu penso o seguinte: quando o Congresso foi desmoralizado e fechado, foi muito
pior para a democracia e para o Brasil. Com o escândalo do neto de Sarney
nos jornais, Epitácio Cafeteira procurou justificar o emprego a João Fernando,
filho de relação extraconjugal: - Eu devia favores ao Fernando. Ele me ajudou
na campanha. Sobre a contratação da mãe, no lugar do neto: - Eu a convidei.
Quem resolve quem trabalha no meu gabinete sou eu. Agora, o senador responde
sobre o trabalho da nova “assessora”: - Não existe tipo de trabalho, no
gabinete todos trabalham.
Capítulo 21
– Na crise do mensalão, o PT temeu o impeachment. A oposição não agiu. Lula deu
a volta por cima
As denúncias em turbilhão ligadas ao
escândalo do mensalão, em 2005, deixaram desesperados integrantes do PT e do
Governo Federal. Achavam que Lula não resistiria e que o impeachment do
presidente da República era iminente. “Havia muita gente convicta de que o
governo tinha acabado”, admitiu o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho,
em entrevista à revista Veja, em junho de 2008. Houve até uma “famosa noite”,
em que os ministros Antonio Palocci (PT-SP), da Fazenda, e Márcio Thomaz
Bastos, da Justiça, sugeriram um acordo à oposição. Para evitar o acirramento
da crise, nas palavras de Gilberto Carvalho, “Lula abriria mão da reeleição em
troca do restante do mandato. Aquela noite foi difícil para todos nós”. Os dois
ministros procuraram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) por
orientação de Lula. Márcio Thomaz Bastos disse a FHC que o País ficaria
ingovernável com o impeachment. O ex-presidente concordou, conforme o
relato do repórter Carlos Marchi, no jornal O Estado de S. Paulo. E
comprometeu-se a acalmar a oposição. Do repórter: “Nas semanas seguintes, a sua
influência foi sentida e acabou sendo vital para que a oposição refreasse o
ímpeto e não chegasse ao limite do pedido de impeachment”. FHC avaliou
que o afastamento de Lula “criaria uma cisão no Brasil”. Outros líderes da oposição,
como o prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), e o presidente nacional do PSDB,
senador Tasso Jereissati (CE), também foram procurados por emissários de Lula.
O escândalo do mensalão provocaria ainda mais desolação nos dias seguintes.
Lula ficaria chocado com o episódio da prisão, com dólares na cueca, de um
assessor do deputado José Nobre Guimarães (PT-CE), irmão do presidente do PT,
José Genoino (SP). E quando Duda Mendonça admitiu à CPI dos Correios, em agosto
de 2005, que recebera, no exterior, proveniente de caixa 2, pagamento pela
campanha que havia elegido Lula, os dois ministros demonstraram ao presidente
que a confissão do publicitário atingira pessoalmente o mais alto mandatário da
nação. A situação, a partir dali, fugiria do controle do governo. Daquela vez,
Antonio Palocci se mostrou desorientado a FHC, e informou-o de que os conselheiros
mais próximos de Lula temiam seriamente pelo futuro do presidente. Palocci falou
em “desastre”. Para ele estava “tudo perdido”. Se não bastasse, de acordo com o
relato do então ministro da Fazenda ao ex-presidente FHC, havia novos
escândalos a explodir, como o de um rombo de R$ 500 milhões no Banco do Brasil.
Mas isso jamais veio à tona. E Lula conseguiu o que parecia impossível.
Sobreviveu politicamente. Um ano depois, no País da corrupção e da impunidade,
Valdebran Padilha e Gedimar Passos, ambos ligados ao PT, foram presos pela
Polícia Federal em um hotel em São Paulo, com R$ 1,7 milhão em cédulas de reais
e dólares. O escândalo do dossiê, como ficou conhecido, era uma trama contra
políticos do PSDB, e se tivesse dado certo beneficiaria principalmente o
candidato do PT a governador de São Paulo, senador Aloizio Mercadante.
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