Paradigma Anarquista e a Educação Libertária
[...] O princípio da autoridade na educação das crianças constitui o ponto de partida natural: ele é legítimo, necessário, quando é aplicado às crianças na primeira infância, quando sua inteligência ainda não se desenvolveu abertamente. Mas como o desenvolvimento de todas as coisas, e por conseqüência da educação, implica a negação sucessiva do ponto de partida, este princípio deve enfraquecer-se à medida que avançam a educação e a instrução, para dar lugar à liberdade ascendente (BAKUNIN).
O Anarquismo tem como concepção política-filosófica a atitude fundamental de negação a toda e qualquer autoridade e a afirmação da liberdade.
O próprio ato de transformar essa atitude radical em um corpo doutrinário de idéias abstratas que possam vir a ser utilizadas em todas circunstâncias seria já uma negação da liberdade.
Dessa forma o Anarquismo não deve ser considerado senão como um princípio gerador que de acordo com as condições sócio-históricas encontradas assume características particulares. O movimento de negação da autoridade e afirmação da liberdade que sustenta o pensamento anarquista é formado por quatro princípios básicos de teoria e de ação: autonomia individual, autogestão social, internacionalismo e ação direta.
Autonomia individual: o indivíduo é a célula fundamental de qualquer grupo ou associação e a sociedade só existe enquanto agrupamento de indivíduos que a constroem sem que, no entanto percam sua condição de indivíduos os quais não podem ser preteridos em nome do grupo. A ação anarquista é essencialmente social, mas baseada em cada um dos indivíduos que compõem a sociedade, e voltada para cada um deles.
Autogestão social: decorre do principio anterior que a liberdade individual é contrária ao Poder instituído. Contra quaisquer autoridades hierárquicas e associações assim constituídas. A gestão da sociedade deve ser direta, fruto dela própria. O anarquista é contrário à democracia representativa, onde determinado número de representantes é eleito para agir em nome da população.
Internacionalismo: os Estados constituem-se como empreendimento políticos ligado à ascensão e consolidação do Capital, sendo, portanto, expressão de um processo de dominação e espoliação; o anarquista, ao lutar pela emancipação dos trabalhadores e pela construção de uma sociedade libertária não pode se limitar a uma ou a algumas dessas unidades geopolíticas (Estado-país). Daí a defesa de um internacionalismo globalizado.
Ação direta: as massas devem construir a revolução gerindo o processo como obra delas próprias. A ação direta se traduz principalmente nas atividades de propaganda: jornais, revistas, literatura e teatro. Tem o intuito despertar a consciência das contradições sociais a que estão submetidas, fazendo com que o desejo e a consciência da necessidade da revolução surja em cada um dos indivíduos. Outro viés importante é o da educação, formal ou informal.
Sustentado por esses quatro princípios fundamentais o Anarquismo, enquanto princípio gerador, pode-se afirmar: é um paradigma de análise político-social, uma vez que existe apenas um único Anarquismo que assume diferentes formas de interpretação da realidade e de ação de acordo com o momento e condições históricas em que é aplicado.
Assim, qual é o paradigma anarquista em educação?
A educação tanto formal quanto informal sempre teve grande valor no pensamento anarquista para a transformação da sociedade.
Começando como uma critica a educação burguesa tradicional, tanto a oferecida pelo seu aparelho estatal quanto a educação mantida por instituições religiosas. A principal acusação sobre o sistema vigente é a de que a escola – com a sua propalada neutralidade – é na realidade arbitrariamente ideológica. O atual sistema simplesmente se dedica a reproduzir as estruturas cruéis de dominação e exploração, doutrinando os alunos a ocuparem seus lugares já predeterminados. Assim a educação tem um caráter ideológico que é mascarado pela sua aparente "neutralidade".
Em vista disso a Pedagogia Libertária assume tal caráter, no entanto coloca-o não a serviço da manutenção dessa sociedade, mas sim de sua transformação, despertando nos indivíduos a consciência da necessidade de uma revolução social.
A suposta liberdade individual como meio (característica das perspectivas liberais) redundará em um modelo de escola cuja característica principal é perpetuar teorias burocráticas que impedem as manifestações das singularidades instruindo apenas para classificar, portanto, excluir.
A corrente de pensamento Bakuniana tem a liberdade como fim. A liberdade é conquistada e construída socialmente, a educação não pode partir dela, mas pode, deve, chegar a ela. Uma vez que o desenvolvimento de todas as coisas, e por conseqüência da educação, implica a negação sucessiva do ponto de partida, este princípio deve enfraquecer-se à medida que avançam a educação e a instrução, para dar lugar à liberdade ascendente.
Toda educação racional nada mais é, no fundo, do que a imolação progressiva da autoridade em proveito da liberdade, onde esta educação tem como objetivo final formar homens livres, cheios de respeito e de amor pela liberdade alheia. Assim, o primeiro dia da vida escolar, se a escola aceita as crianças na primeira infância, quando elas mal começam a balbuciar algumas palavras, deve ser o de maior autoridade e de uma ausência quase completa de liberdade; mas seu último dia deve ser o de maior liberdade e de abolição absoluta de qualquer vestígio do principio animal ou divino da autoridade.
A educação não pode ser um espaço de liberdade em meio à coerção social; pois constituir-se-ia em uma ação inócua e os efeitos da relação do indivíduo com as demais instâncias sociais seria muito mais forte. A educação anarquista partindo do princípio de autoridade insere-se na sociedade e coerente com seu objetivo de crítica e transformação social não faz senão ultrapassar aquela autoridade superando-a.
A construção coletiva da liberdade é um processo no qual ocorre paulatinamente a des-construção, por assim dizer, da autoridade. Esse processo, a Pedagogia Libertária o assume como sendo uma atividade ideológica. Como não há educação neutra, pois toda educação é fundamentada numa concepção de homem e de sociedade, é necessário, pois definir de qual homem e de qual sociedade estamos a falar. A Educação Libertária conduz o homem a comprometer-se não com a manutenção da sociedade de exploração, mas sim engajado na luta e na construção de uma nova sociedade. Portanto pode-se afirmar que o individuo assim criado seria um desajustado, por assim dizer, para os padrões sociais da educação contemporânea. A Educação Libertária constitui-se, assim, numa educação contra o Estado, alheia, portanto, aos sistemas públicos de ensino.
REFERÊNCIAS
BAKUNIN, Mikhail Alexandrovich. Deus e o Estado. São Paulo: Imaginário, 2000.
BELTRÃO. Ierecê Rego. Corpos dóceis, mentes vazias, corações frios. São Paulo: Imaginário, 2000. 96 pág.
LIPIANSKY. Edmond-Marc. A Pedagogia Libertária. São Paulo. Imaginário: 1999. 76 pág. (Coleção Escritos Anarquistas).
WOODCOCK, George. História das Idéias e Movimentos Anarquistas. 2 Vol (Vol I A Idéia – Vol II O Movimento). Porto Alegre: LPM,2002. 273/313 pág.
Ainda que eu reconheça a necessidade de uma educação libertária,entendo também , que este processo pode acabar moldando o ser humano,ou seja também pode ter um caráter inibitório.
ResponderExcluirPorfírio
Saudações Camarada Custódio
ResponderExcluirNos laços da Fraternidade Egoística.
Porfírio
Olá, Porfirio; com relação ao moldar e inibir exponho dois pensamentos:
ResponderExcluir- Podemos dizer a respeito de seu pensamento como sendo uma preocupação justa e verdadeira. Todavia, pode-se pensar também, com Bakunin, por exemplo, que defende simplesmente o desejo, a paixão e o instinto de cada indivíduo frente à cultura e civilização burguesa.
- Também podemos pensar a educação como propõe Max Stirner quando critica essa educação liberal, que se diz altruísta (falsamente altruísta, digo de passagem) e sugere simplesmente também uma educação para a vontade do individuo.
- Observando, portanto, esses dois pensamentos veremos que se ocorrer a inibição não é como um componente do processo da educação uma vez que sugere a educação como educere, isso é, como proveniente do interior para o exterior do individuo. Não se nega aqui a motivação externa, o que nego é a imposição me MEUS MOTIVOS por sobre o MOTIVO próprio de cada individuo. [PS.: Muito obrigado pela vista e comentário]
28/04/2011
"Todo Poder ao Individuo"